HĆ” cinco anos o Ćŗltimo tigre do zoológico de Gaza fez seu caminho de volta para a Ćfrica do Sul, ele entre os quinze animais sobreviventes das guerras e da fome na regiĆ£o, com direito a pisar de novo sua terra natal levando no corpo os traumas de Gaza.
Faz trĆŖs semanas grupos de palestinos aproveitaram a trĆ©gua entre o Hamas e Israel e saĆram pelas ruas procurando os bichos feridos e famintos, gatos e cachorros desaparecidos depois de onze dias de bombardeios. Gente que saiu procurando seus afetos perdidos na guerra e que os foi encontrando cravados de estilhaƧos e com os olhos esbugalhados.
Não valem nada os jogos de imaginação sobre o que se pode salvar de uma casa em chamas. O cachorro que se salvou é agora para sempre um cachorro aterrorizado. O gato sobrevivente é como um trapo. Afetos cravados de traumas.
Em Mato Grosso, hĆ” quase um ano, o fogo tomou as aldeias da Terra IndĆgena Tereza Cristina. Dizem que as chamas atravessaram o rio, que foi preciso abrir o mato na mĆ£o e no desespero, as famĆlias tontas de fumaƧa. As casas que se salvaram ficaram em pĆ© no meio da mata devastada. O homem que se salvou e conta a história Ć© tambĆ©m ele, agora, uma floresta de quatis, macacos, araras e periquitos que jĆ” nĆ£o hĆ”.
EstĆ” bem, nĆ£o Ć© que nĆ£o valham nada os jogos de imaginação. Se houver quem consiga, que imagine como alguĆ©m se salva, como alguĆ©m se sente a salvo, depois de uma guerra ou num intervalo de trĆ©gua, com um corpo sacudido por tremores e os tĆmpanos estourados. Imagine o que se salva de um bicho que sobrevive a um cativeiro abandonado, o que se salvou de Laziz, o Ćŗltimo tigre do zoológico de Gaza, que hoje caminha por um santuĆ”rio, ao lado de outros tigres, salvos de outros zoológicos mundo afora.