Flopamos

Ser um sucesso pode estar em outras conquistas para além dos números e do que o mundo das redes sociais espera de nós
Ilustração: Eduardo Mussi
04/05/2025

Hoje ninguém mais fracassa; as pessoas e os projetos “flopam”. A dimensão do que seja fracasso também mudou e segue a regras muito específicas. Não me venham dizer que venceu na vida quem tem um bom trabalho, filhos criados ou uma casa suficientemente confortável. Podemos ter tudo isso, o que seria uma baita conquista em um mundo tão louco, mas não. Não somos vitoriosos aos olhos de uma geração para quem flopar é uma medida de comparação: eles se colocam nesta posição e igualmente posicionam os demais pelo mesmo parâmetro. Temos que ser vistos, curtidos e compartilhados. Ninguém vai convencer alguém que mede a vida por algoritmos que viver ultrapassa esse entendimento estreito das coisas e que uma pessoa pode ser razoavelmente feliz (sim, porque ninguém é feliz o tempo todo) mesmo sob a sentença: flopou.

De acordo com as minhas filhas, eu flopei. Nunca poderia imaginar que a essa altura todos os meus esforços e conquistas se resumiriam a uma palavra tão pequena. Eu não tenho o número de curtidas ou de leitores necessários para ser considerada o sucesso que a geração delas projeta para as pessoas. E todo o resto se esvai. Tudo o que eu considerava vitória não existe de acordo com os novos parâmetros da sociedade e da web. Meus diplomas, meus anos de estudo, meus livros arduamente publicados, tantas histórias que eu criei imaginando que com elas o mundo estaria um milímetro melhor… Tudo o que eu consegui passar de bom e de produtivo para estas mesmas filhas que hoje exaltam a minha flopagem social talvez não seja creditado como valor. Claro que elas me adoram (ufa!), não se trata aqui de lavagem de roupa suja de uma questão familiar, nem falta de amor recíproco. É apenas uma constatação que elas fazem a partir de novas escalas e medições. Viver sem estar mergulhado até a medula nas redes socais e fazer disso um objetivo — ganhar seguidores e curtidas — é um risco.

Eu assumo esse risco. Vivo o mínimo que eu posso o mundo das redes porque venho de outra galáxia. Não é natural para mim acordar com um roteiro de postagens. Faço porque tenho que fazer, mas confesso um cansaço mortal diante desta obrigação. Vejo as novas gerações imersas nas postagens com uma desenvoltura incrível. Não posso cobrar de mim o mesmo traquejo. Aliás, meu prazer maior está em mergulhar na escrita, nos mundos que a minha imaginação me pede para criar, e estar obcecada em não flopar acaba me deixando em uma posição confusa: o que fazer, para onde ir, como angariar tantos seguidores, como não flopar?

Acabo desistindo de insistir. Faço meu normal, posto meus conteúdos e volto para meu texto, meus projetos. Pego uma xícara de café, brinco com a minha cachorra, depois vou caminhar sem celular e espero que o mundo não me esqueça — ou deixe de tomar conhecimento de mim. O mais importante, acho, é não tomar para si o troféu da flopada e não aceitar a medalha. Ser um sucesso pode estar em outras conquistas além dos números e do que este mundo confuso espera de nós.

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

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