Há tempos venho observando as pessoas sem máscara na rua. A maioria são homens. Não qualquer homem mas um tipo bastante particular, da espécie Machista sem máscara. Aquele que acha sua vontade mais importante do que a saúde do outro ou o bem-estar coletivo.
Esse tipo nĂŁo nasceu na pandemia. NĂłs, mulheres, já os conhecemos de outros carnavais, como as noites dos anos oitenta, quando eles nĂŁo queriam usar a máscara de vĂŞnus. Se hoje as desculpas vĂŁo do “é ruim caminhar de máscara” a “nĂŁo tem problema, estamos ao ar livre”, antes iam de “nĂŁo sinto prazer com essa borracha” a “nĂŁo vai dar nada, sĂł vou pĂ´r a cabecinha”. Muitas vezes dava: Aids, DST ou gravidez, heranças que as mulheres carregariam sozinhas, como agora carregam sozinhas o vĂrus que poderá levá-las a um leito de UTI ou, ainda pior, Ă falta dele.
TĂŁo ruim quanto o desfecho Ă© a farsa que se esconde nessas histĂłrias. O Machista sem máscara posa de corajoso na sua indiferença aos vĂrus mas no fundo Ă© o contrário disso: um chorĂŁo que foi mimado pela sociedade, que muitas vezes nĂŁo lavava nem seu copo de Nescau e agora esconde seus caprichos por trás de uma postura cheia de bĂceps, irritado em perder o conforto conquistado a moles penas em sĂ©culos de dominação patriarcal.
Esses dias estava correndo em uma rua perto da minha casa. O farol fechou e fiquei na calçada, pulando no mesmo lugar, mantendo o ritmo. Um homem parou bem ao meu lado, tambĂ©m esperando o verde para avançar, sĂł que sem máscara. NĂŁo costumo falar nada mas nesse dia a serotonina circulava pelo meu sangue como uma vodca. Fitando-o com o canto de olho, falei: põe a máscara, amigo. Ele virou para mim e, subitamente inflado, disse: o que foi, vagabunda? Dei alguns passos para trás. Por cima da bermuda de nylon, ele pegou no pau. Começou a sacudi-lo e a repetir: vem pĂ´r a máscara aqui, piranha. Nesse momento eu já estava correndo para longe, olhando ao meu redor, em busca de uma pessoa qualquer ou da polĂcia na cidade esvaziada pela pandemia.
Não encontrei ninguém e fui me acalmando à medida que me afastava, com um queixo que só não caiu no chão porque foi segurado pela minha máscara. Não fiquei surpresa por ele ter achado ruim o pedido, qualquer homem dessa espécie acharia. O que me deixou petrificada foi ver a falta de constrangimento em reagir de forma tão bestial.
Há machistas que usam máscara no rosto e nos gestos e tambĂ©m sĂŁo perniciosos praticando seus abusos dissimulados. E há machistas como esse que encontrei, burro ou perverso a ponto de nem esconder a caricatura que lhe serve de rosto. Uma pena eu nĂŁo ter achado a polĂcia. Pela minha experiĂŞncia, que nĂŁo se restringe a essa situação, o machista e o cetro ilusĂłrio que carrega entre as pernas encolhem imediatamente quando confrontados com alguĂ©m privilegiado pela mesma estrutura de poder.