🔓 Minha distopia particular

O direito à diversidade deve ser respeitado e que ser “estranha” não seja um vexame
Ilustração: FP Rodrigues
05/03/2023

No meu calendário distópico particular, não existiria carnaval. Todos os anos eu prometo a mim mesma que não passarei os dias de carnaval onde se vive entusiasticamente o carnaval, mas nunca consigo. Sempre os compromissos familiares me prendem onde não quero ficar. Não sou capaz de entender a graça que existe em se fantasiar e “pular” ouvindo as mesmas músicas (marchinhas?) de 100 anos atrás. Eu sei que neste momento estou sendo julgada por todos os que amam a “festa”. Mas acho que devem existir algumas almas que, como eu, preferem o silêncio.

Outro dia li o post de um amigo escritor que vive no Nordeste, à sombra daquelas maravilhosas paragens, que ele odeia praia, sol, detesta estar seminu e detesta ver pessoas seminuas. Eu adoro sol, mar e praia. Pensei no quão distantes estamos eu e ele no quesito “paisagem”. Ele dizia que todas as praias poderiam ser transformar em colinas ou pradarias. Claro que ele foi taxado de “estranho” até por pessoas amigas. Eu, secretamente, também o achei meio estranho e recluso demais, até o momento em que me lembrei dos meus sentimentos “distópicos”. Às vezes tenho a sensação de andar em ruas paralelas, ruas inventadas por mim para escapar ao movimento da preparação dos “inomináveis” meses antes da “festa”. Detalhe: talvez eu detestasse menos o carnaval se fossem apenas os dias marcados no calendário e não o que se tornou: um mês e um mês depois ainda há vestígios de blocos e bailes etc.

Não me importo em ser chamada de “estranha”. Para minhas filhas adolescentes, ser “estranha” é xingamento. Aí pensei no direito que temos em sermos diferentes, de termos nossas individualidades respeitadas em um mundo em que o certo é fazer o que manda o ritual das redes sociais. Eu não quero me divertir como fulana ou beltrana porque me divirto de outra forma. E provavelmente o que me diverte será um tédio para muitos. Acredito que o direito à diversidade deva ser respeitado sem que ser “estranha” seja um vexame. Vou lutar pelos meus direitos de ser estranha.

Quem sabe ano que vem eu consiga me organizar para estar longe de todo e qualquer barulho que me remeta à existência de carnaval no planeta. E, assim como meu amigo querido que não suporta praia e vive em uma casa florida distante da areia, eu consiga exercer meu direito de viver em paz minha distopia particular.

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

Rascunho