🔓 As ruas de ontem

O retorno à cidade da juventude e caminhar por suas ruas é aceitar o encontro com pedaços esparsos deixados pelo caminho
Ilustração: FP Rodrigues
03/07/2022

Fazia séculos que eu não andava por dentro das ruas confusas de uma das cidades da minha juventude — Juiz de Fora. Eu sempre passo correndo, nunca consigo tempo para caminhar no centro. Talvez para evitar algum confronto, encontro, lembrança? Não sei. Nunca me animei em saber ao certo. O fato é que julho começou e eu me dispus a andar pelo centro e encontrei algumas partes de mim pelo caminho.

Já estou naquela fase em que, se eu me recordo de alguma coisa do passado imperfeito, ou seja, de um passado lá detrás, já me preocupo, achando que em breve vou me esquecer do passado recente, como se ambas as ações estivessem relacionadas.

Mas é inevitável andar pelas ruas desta cidade e não me lembrar, por exemplo, do pequeno prédio de três andares que abrigava minhas aulas de violão que eu sempre detestei. Por que mesmo resolvi aprender violão? Acho que era porque uma amiga tocava e que achei que era para imitar. Estava naquela idade de 14, 15 anos em que tudo se copia e nada se cria, pelo menos comigo foi assim.

Teve uma hora em que eu, confiante de que conhecia o mapa das ruas como a palma da mão, me perdi. Parece que houve alguma mudança na organização das ruas, fizeram calçamento de pedras onde havia asfalto, sei lá, mas em algum momento eu me perdi e demorei a me achar. Tive que pedir informação. Onde fica a Rua Santa Rita? Eu procurava uma loja de lustres. Não achava. A cidade cresceu sem mim. Eu não reconhecia boa parte das lojas, restaurantes e prédios.

Logo me lembrei dos lanches na Loja Americana no tempo de quando eu nem morava na cidade e era apenas uma visitante em férias. Fiquei tentada a entrar na galeria onde ficava o prédio da minha vó. Desisti. A galeria poderia estar ali, mas, mesmo se o prédio da minha vó ainda estivesse de pé, as escadarias não me levariam até ela.

Voltei para a loja de lustres e não achei nada do que eu queria. Na verdade, não queria um lustre e sim um abajur. Continuo saindo de onde eu moro, no Rio, para buscar coisas em Juiz de Fora que eu nunca encontro na cidade onde nasci. Sempre foi assim. Acho que andar por outras cidades onde a gente morou é aceitar o encontro com pedaços esparsos que deixamos pelo caminho.

A geografia da nossa história…

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira e Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

Rascunho