🔓 Apocalipse zumbi

O terror de viver num mundo automatizado, guiado por robôs e humanos que se comportam feito máquinas ignorantes
Ilustração: Thiago Lucas
30/09/2021

Assinei um jornal carioca, impresso, aos finais de semana. Aqui em São Paulo, simplesmente não entregam sábados e domingos. O jornal de sexta-feira chega. Finais de semana, nunca. E ainda acham razoável entregar o jornal atrasado dias depois. Sim, eles acham que a gente quer ler o jornal de sábado na terça. Não entendem como funciona um jornal de notícias diárias.

Ligo para cancelar. O atendimento é automatizado via whatsapp, que eu não tenho. Entro no chat que, depois de incontáveis perguntas, redireciona para o whatsapp. O mesmo com o telefone. Não existem mais pessoas no mundo, apenas robôs.

Essa praga é um inferno na minha vida. O pior, pra mim, é quando o robô é uma pessoa real, viva, ali na sua frente. Um ser humano robótico, mecanizado, coisificado, programado para uma determinada resposta e que, quando questionado, dá bug na matriz.

Em uma reunião via Zoom, questiono sobre informações importantes existirem apenas no Facebook. Entramos no site oficial e a lista com as informações é uma lista de links para diferentes páginas no Facebook. Sugiro que publiquem também no site oficial. Respondem que é uma questão de praticidade. Explico que não estava sugerindo que apagassem a rede social, mas que duplicassem a informação. Ainda me dou o trabalho de explicar que é possível publicar no site e nas redes sociais simultaneamente, com um único clique e que se quiserem eu até me ofereço a instalar e a ensinar a utilização da ferramenta que, por sinal, é gratuita. Respondem, de novo, que é uma questão de praticidade. Falo ok e desligo a câmera.

O apocalipse zumbi é uma realidade. Ou, como diz um amigo querido, estamos em pleno apocalipse cognitivo.

Pego emprestado dos videogames a terminologia que me parece mais adequada para essas pessoas. São NPCs. Non-player characters.

Acho que essa sempre foi a minha maior assombração: o risco de virar um NPC. Erro e erro muito, erro com gosto, erro com fé, mas é a minha vida, é a minha vontade.

Não tem nada que me irrite mais do que alguém decidir por mim o que for e independente da boa vontade do cidadão. Horror de gente tentando ser proativa com a minha vida.

Um amigo me diz que tudo que ele quer é voltar a ser filho, que alguém cuide da vida dele. Acho que eu não queria ser filha nesse sentido nem mesmo quando ainda era.

Que filme de terror.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho