🔓 A idade do escritor

A importância de acumular experiências ao longo da vida para ampliar a capacidade de construir narrativas
Ilustração: Thiago Thomé Marques
07/11/2021

Quando esta crônica for publicada, eu já vou ter feito aniversário (31/10). Sempre que uma nova idade aparece, o pensamento sobre o tempo é inevitável: o que tem sido feito desta existência, qual é o saldo dos ganhos e das perdas, as conquistas, as reflexões sobre as escolhas certas e erradas, enfim, aquela história toda da qual raramente se escapa. Existe ainda outro pensamento que me acompanha e que, neste momento, torna-se ainda mais invasivo e incontornável: o peso da idade de um autor. Se a gente pensar em termos óbvios, quanto mais um escritor envelhece, se mantiver saúde mental e vigor, era para ser cada vez melhor – certo? Por que existe então a obsessão com o termo “jovens autores”?

Nunca fui uma “jovem autora”. Quando lancei meu primeiro romance, eu já tinha mais de 40 anos. Hoje, aos 53, estou longe de me enquadrar nessa categoria. Fazer 50 pode ser visto por muitos como começar o declínio – eu também já fui jovem e pensei que a velhice fosse demorar a chegar, por isso eu vos perdoo. Mas sinto um desconforto enorme que não consigo disfarçar quando alguém diz: “Você parece ter bem menos idade, pensei que fosse mais jovem!”. Isso para mim não é elogio. Não faço questão de parecer mais ou menos jovem. O que realmente seria um grande elogio seria alguém dizer: seu texto tem força, está cada vez mais atual e pulsante. Não envelhece.

Meus livros (20 livros este ano, nos diversos gêneros) são o resultado dos meus anos no mundo. São a soma de tudo o que eu vivi, de como traduzi em ficção as situações que passaram por mim de forma direta ou indireta. Se eu tivesse permanecido jovem, não conseguiria escrever da forma como escrevo hoje, não teria amadurecido minha percepção sobre a realidade, não teria sido capaz de criar as imagens literárias e as associações que estão no meu novo romance, Benedita, por exemplo.

Estamos muito distantes de entender que a idade não deveria existir e que o tempo é apenas uma convenção para facilitar a vida. Idades não definem nem saúde nem estado de espírito nem presente nem futuro. Por que dizer que uma pessoa não parece ter a idade que tem deveria soar como um elogio?

É claro que me sinto feliz quando alguém acha que tenho aparência jovial, mas isso não tem a ver com a idade e sim como o estado de ânimo, a vontade de viver e de amar, de fazer algo que realmente contribua com o universo. E como um escritor faz esse movimento? Pensando, escrevendo…

A idade é quase um sobrenome. Vejam as notícias dos jornais – tem sempre o nome da pessoa seguido pela idade. Por que isso importa tanto?

Ter mais de 50 anos parece um assombro quando deveria ser apenas um número. Sou infinitamente melhor hoje como profissional e ser humano do que há 20 anos. Claro que isso não vale para todo mundo, por isso mesmo a idade não diz nada. Há jovens que já nasceram desanimados, há velhos que não envelhecem por dentro e há velhos que permitem que o espírito envelheça antes do corpo. Números não deveriam nos definir.

O maior elogio para mim é quando alguém se interessa em conhecer a minha obra e descobrir as minhas histórias. Tenho 53 anos. Infelizmente, acho que não vou viver um tempo em que a humanidade terá progredido a ponto de não categorizar as pessoas pela certidão.

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

Rascunho