Como pagar seu iFood

A conversa com uma prima que vive na Suécia é decisiva para refletir sobre a vida de escritora e os minguados direitos autorais
Ilustração: Bruno Schier
27/06/2025

Minha prima mora na Suécia, há vinte anos não nos víamos. Finalmente, a família dispersa se reúne num almoço de domingo. A prima me aponta a seu marido, que não fala português:

— É ela a escritora!

Ela explica que tem os livros que publiquei, levados à Suécia por minha tia. O marido é testemunha do espaço ocupado, na estante, por esses livros que ele não consegue ler.

São nove mesas no salão de festas. Converso um pouquinho com cada grupo de parentes que foram importantes, na fase da vida em que primos ainda se frequentam. Agora estamos por aí, cada um com seus filhos, seus empregos. Uma prima paterna de terceiro grau, viúva recentemente, conta a saga jurídica do inventário de sua mãe, que deixou um injusto testamento manuscrito. Como se o tédio não fosse suficiente, explica ainda que engordou por causa dos corticoides, uma dor no ombro que não tem cura, hoje ela vive à base de remédios.

Vejo os filhos dos meus primos, que eu não conhecia — já estão na faculdade. Experimento uma entradinha: miniescondidinho de carne seca. Está gostoso.

Na hora dos docinhos, me sento à mesa da prima da Suécia. Como vão as coisas? — etc. e tal. Ela trabalha na mesma empresa há trinta e dois anos. Recursos humanos.

— E seus livros? — ela me pergunta. — Como é a vida de escritora?

Ensaio uma resposta óbvia:

— Me dedico muito, mas não dá dinheiro nenhum.

A prima reage com surpresa:

— Não??

O espanto dela abre um portal, naquele instante, para outro planeta: um mundo de pessoas empregadas, com vidas organizadas, que compram livros duas ou três vezes por ano. Pra ler nas férias, ou como presente de aniversário, ou quando ouvem falar muito de certo livro do qual todos estão falando. Um planeta de pessoas que não passam todos os seus dias, um seguido do outro, lendo análises do mercado editorial, buscando uma resposta para esse enigma — as pessoas ainda leem? Ainda vão continuar a ler? Nesse outro planeta, que desconhece o prolongado apocalipse do meio literário, os livros são publicações novas e bonitas que são lançadas e podem ser compradas num fluxo contínuo de indústria saudável.

Se não vivo nesse planeta, não posso culpar a internet. Pra mim, livros são raros e menosprezados desde minha vida escolar nos anos 1980. Quem lia no meu colégio? Duas ou três amigas. Justamente aquelas amigas esquisitas e sem sol que não sabiam se maquiar. Aparecer na escola com um livro próprio — algo escolhido por você mesmo pra ler, independentemente das obrigações curriculares — era como usar uma fantasia de Professor Girafales: antiquado, pedante, desajeitado.

Anos 1980, para os adolescentes, era rádio FM e videoclipes. Surf e mundo-cão na TV. Intercâmbio no exterior e o sonho de ir embora de vez do país. Sempre do contra, lembro que escrevi numa carta, no início dos anos 1990, que meu ideal de vida era viver sozinha num apartamento pequeno, escrevendo livros estranhos que ninguém jamais leria. Na época eu ignorava o conceito de profecia autorrealizável.

Minha grande angústia com a vida de escritora era esta: será que vale a pena dedicar tanto tempo e esforço a algo que não trará dinheiro nenhum? Será que eu não deveria mobilizar minha inteligência para uma atividade bem remunerada?

Na juventude, e mais tarde, até os trinta e tantos anos, nunca me ocorreu que a literatura poderia dar dinheiro. Que há um tipo de livro que as pessoas gostam de ler — e compram. Claro que esses livros existem, eu sabia — mas nunca me ocorreu tentar escrever com esse objetivo em mente. Algo que os editores gostassem. Algo para vender.

Há escritores que montam esse plano. Ana Paula Maia e Ottessa Moshfegh, por exemplo: li em entrevistas que elas planejaram seus primeiros livros pensando no interesse dos editores. Gosto dessa disposição para a aposta: fazer algo visando a acertar. Nem sempre se acerta — mas tentar, como ponto de partida, é admirável.

Quinze anos atrás, quando fiz análise, lembro de soltar alguma frase sobre a infidelidade masculina.

— Os homens que você escolhe — a analista me corrigiu.

Tudo isso me ocorreu instantaneamente diante da minha prima.

— Livro não dá dinheiro nenhum? — ela poderia ter insistido. — Bem, isso é o que você pensa.

Na declaração de imposto de renda deste ano, se lembro bem, registrei dez mil reais de direitos autorais recebidos. Foi isso mesmo? Escrevendo, agora, me parece um exagero. É possível que eu tenha ganhado, com livros, o suficiente para pagar o iFood nos fins de semana?

Pena que minha prima já voltou para a Suécia. Eu deveria ter sido mais precisa:

— A vida de escritora? Me dedico muito, e consigo pagar meu iFood!

Na Suécia, provavelmente, os homens são fiéis, os livros dão dinheiro, e minha prima fez muito bem de ter se mudado pra lá.

Sabina Anzuategui

É autora de Escrevi pra você hoje (2023), Uma mulher sem ambição (2021), Luciana e as mulheres (2019), O afeto (2011) e Calcinha no varal (2005). É bisneta de Marciano. Ama os cachorros platonicamente.

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