Alunos a bordo

O lado nada glamoroso de ser professora e vislumbrar a turba de jovens que desejam ser jogador de futebol ou apostam o futuro no labirinto das bets
Ilustração: Bruno Schier
30/05/2025

Ano passado, fiz estágio pedagógico numa escola de ensino fundamental. Acompanhei professoras do sétimo ano, nas matérias de português e inglês. Comecei fantasiando a diferença entre os estudantes de doze anos e aqueles de dezoito, com os quais convivo. Me movia a nostalgia dos livros escolares, a simplicidade das lições básicas. A escola ficava perto do estádio do Palmeiras, no bairro da Água Branca. O professor de matemática me contou que, quando saem as listas de seletiva do time, os alunos choram pelos corredores. Alunos que esnobavam as aulas, sonhando em ser jogadores profissionais. E como é difícil convencê-los de que voltar às aulas não é um fracasso.

Fui professora, pela primeira vez, aos vinte e três anos. Meu diploma de Cinema era novo. Eu era a “moça que escreve bem”, elogiada pelos professores da USP. Na Secretaria de Cultura de Santo André, me convidaram para uma oficina. Durante dois meses, eu pegava dois trens às cinco da tarde, para chegar ao teatro no centro, onde aconteciam as aulas noturnas. Os alunos eram mais velhos que eu. Me esforcei para repassar o que havia aprendido na universidade, junto às minhas próprias ideias, ainda meio informes.

Virei professora universitária também por acaso. Angustiada com o salário baixo que recebia nos meus primeiros empregos, voltei ao colo da USP. Mestrado, bolsa de estudos, fiz isso sem mirar longe a carreira acadêmica. Apenas precisava de um alívio imediato: deixar de ser funcionária, voltar a ser estudante. Mestrado encerrado, me convidaram para dar aulas num curso de graduação. Turmas de quarenta calouros, pouco mais jovens que eu. Aí fiquei. Há vinte e três anos.

O que faz um professor? Como um psicólogo, um massagista, ou um cantor de casamentos, você presta um serviço. Nada sólido resulta do seu trabalho — você ensaia, executa uma rotina, interage brevemente com o público, e volta pra casa. Outras comparações possíveis: você digita notas e faltas, como um contador; você libera os passageiros para o próximo voo, como um comissário de bordo.

Me apego à metáfora da aviação, e penso no que um professor não faz: não pilota o avião; não vende as passagens; não decide as rotas aéreas. Por que as novas gerações voam para um destino ou outro é um mistério para quem vive de ensinar.

Imagino que um comissário de bordo, quando tira seu elegante uniforme, torna-se mais uma pessoa comum no metrô a caminho de casa. Passa no supermercado, sai carregando sacolinhas, e ninguém imagina que tal pessoa empurra com altivez, entre os assentos numerados das aeronaves, um carrinho com água, café e salgadinhos.

Para a professora, também, quando chegam as férias, tudo acaba. Duas vezes por ano acontece o efeito mágico: você esquece tudo, no último dia letivo do semestre. Salas de aula, tarefas, intervalos, médias finais — desaparecem. Esquecemos como se fala em público. O que ensinávamos no dia anterior?

Alguém que me lê, neste instante, pode pensar:

— Mas o meu trabalho também é assim. Repetitivo. Imaterial. Também é esquecido.

Sim, você também chegou ao seu emprego por acaso. Pequenas decisões e oportunidades se misturaram para você chegar onde está hoje. Talvez você tenha filhos, e se preocupe que eles estejam limpos e alimentados ao sair para a escola. Você espera que os adultos que ficam em pé, diante das carteiras, na sala de aula do seu filho, saibam o que fazem. Que convençam as crianças e os adolescentes de que vale a pena fazer as tarefas e passar de ano. Como confiamos que os pilotos e comissários de bordo nos entreguem vivos ao nosso destino.

Ao sair da faculdade, passo meu crachá na catraca — fim da manhã, de terça a sexta. Os alunos estão espalhados pela escadaria, em grupinhos de amigos, com seus assuntos e planos para dali a pouco. Às vezes, enquanto sigo para o ponto de ônibus, me comovo ao lembrar que cada um daqueles rostos tem uma família. Pai ou mãe ou avó ou tio trabalham pra que esses jovens possam estudar. Possam desenvolver seus talentos, aprender alguma coisa que lhes seja útil na vida.

Aos dezoito anos, matriculados no ensino superior, eles já não sonham em jogar futebol profissionalmente. (Mas apostam nas bets, e querem ser comentaristas na TV.)

Sabina Anzuategui

É autora de Escrevi pra você hoje (2023), Uma mulher sem ambição (2021), Luciana e as mulheres (2019), O afeto (2011) e Calcinha no varal (2005). É bisneta de Marciano. Ama os cachorros platonicamente.

Rascunho