A primeira vez foi normal. Passou por mim apressado, na minha rua, um pouco acima do meu prédio, e indicando o próprio punho com o indicador, repetindo o gesto em pequenos e aflitos movimentos, quis saber:
— Que horas são?
Respondi-lhe. Passou por mim sério, apressado. Calculei que ia atrasado.
Dois ou três dias depois, na avenida central do bairro, nos cruzamos de novo. Assim que demos um pelo outro repetiu:
— Que horas são?
Lembrei-me do Coelho Branco, responsável pelo envio de Alice para a toca, faltava-lhe apenas, e por isso os questionamentos, o enorme relógio. Meu vizinho de redondezas nervoso e confuso.
Informei, já agora estranhando. O indivíduo fazia a pergunta imperativamente, muito sério, sem contato visual, como se eu tivesse a obrigação de informar. Não agradecia a resposta. Agoniado e preocupado com o tempo. Só lhe faltava a frase, quase bordão da querida personagem de Lewis Carroll:
— Está tarde, tenho pressa!
Ontem o percebi antecipadamente. Agastado atravessei a rua, não desejava ter contato com aquela figura estranha, para mim começando a criar contornos assustadores. Gritou-me do outro lado da calçada:
— Que horas são?
Fingi que não ouvi. O que seria aquilo? Algum tipo de patologia certamente. Transtorno obsessivo compulsivo. O mundo moderno cria nas pessoas diferentes urgências, e eu ainda não me havia deparado com alguém tão preocupado com os compromissos a ponto de circular querendo saber constantemente o horário.
Ou seria comigo? Vontade doentia de fazer contato com alguém, comunicar-se, o sujeito talvez fosse apenas mais um solitário. Quem sabe via na repetida pergunta chance de estabelecer diálogo com alguém, mudar a rotina?
Eu hoje seguia circulando cabisbaixo, cuidando para não emporcalhar os sapatos com as necessidades dos cães, quando ouvi:
— Que horas são?
Era ele.
Informei, tentando prolongar a conversa:
— Estamos sempre precisando atender a rainha.
Olhou-me como se eu fosse louco. Devo ser mesmo.