Lista de contatos

Das antiquadas cadernetas de papel aos sedutores aplicativos digitais, sempre temos dificuldade de excluir as pessoas queridas que morreram
Ilustração: Thiago Lucas
12/05/2025

Outro dia, na casa de minha mãe, achei uma agenda antiga. Chamou-me atenção aquele livrinho estampado com espiral de metal. Veio-me lembrança distante, o caderno perambulava pela casa materna, ao lado do telefone, sobre a mesinha de apoio inglesa, madeira escura, desde minha infância. Acomodei-me no sofá da sala e comecei a folhear o bloco ancião. Nomes, endereços, telefones. Alguns números com apenas seis algarismos. Quem estaria morando naquelas ruas assinaladas? Quanta gente morta, meu Deus! Fui ficando triste, um aperto difícil no peito, saudade. Havia até o contato de um tio. Fiz as contas. Caso estivesse vivo teria cento e vinte e três anos. Impossível! Pensativo, angustiado, retornei o responsável pelo meu estado de espírito deprimido para seu local de sempre em cima do tampo redondo. E fiquei com aquela impressão muito viva no espírito.

Em casa, mais tarde, em frente ao computador, recebi mensagem de um aplicativo em que estava ativo. Informava-me sobre o aniversário de um colega de trabalho, pedia que lhe enviasse felicitações. Pessoa de quem fui muito próximo, mas que já havia falecido. Sincronicidades existem. Foi chocante ver a foto sorridente acompanhando o aviso. Resolvi, por curiosidade mórbida, pesquisar quantos indivíduos registrados naquele software como meus amigos ainda existiam. Descobri um considerável contingente de cadáveres digitais.

Tanto no passado, quando anotávamos as coisas de maneira analógica, como agora, no ambiente eletrônico, temos dificuldade em eliminar os queridos que partem. Não riscamos nomes das brochuras, nem cancelamos registros de nossas redes sociais. Eles permanecem vivos, parecem resistir. Chegam até mesmo, no mundo moderno, a comemorar natalícios.

Tudo isso por ter visto, recentemente, alguém comentar, contrariando tudo o que acabei de dizer:

— Fulano morreu! Hora de excluí-lo da plataforma tecnológica.

Falou assim. Exatamente com esses termos tão estranhos. Considerei frio, pouco humano, insensível. Não teria coragem. Acumulo meus defuntinhos amados. Talvez por carregar, como disse Drummond: meus mortos do lado esquerdo. Por isso caminho meio de banda.

E assim torto, arrastando a carcaça, vou levando meus sustos sempre que, de certa forma, os fantasmas falam comigo, cobram cumprimentos. Porque conhecidos, amigos, familiares, todos os viventes que desvivem, continuam em mim. E chamo novamente o poeta mineiro que tantas vezes interpreta o que sinto. Trago versos dele para que me resumam:

A ausência é um estar em mim.

Ricardo Ramos Filho

É escritor, professor de literatura e produtor cultural. É presidente da União Brasileiras de Escritores (UBE). Autor, entre outros, de Computador sentimental, O livro dentro da concha, Conversa comigo e Cidade aberta, cidade fechada.

Rascunho