Francisco

O papa Francisco sempre se mostrou um cara bacana, humano e sorridente, preocupado com os mais necessitados e excluídos da sociedade
Ilustração: Thiago Lucas
28/04/2025

Sou ateu. Contudo, interesso-me pela liturgia da igreja católica. Talvez por ter sido criado em família que, embora comunista, conservava por parte de alguns parentes certa religiosidade. Minha avó materna, antes de se tornar espírita, e algumas tias mais velhas trouxeram para a minha casa santos, terços, frequentavam missas. Assim, descrente, mas impressionado com a fé de gente querida, prestei atenção em um catolicismo que hoje condeno, mas respeito. Como reverencio, aliás, qualquer crença. Desde que não seja safadeza para enganar incautos.

Perdemos o papa Francisco. Logo teremos mais um conclave, escolherão novo pontífice. Será o sexto de minha vida. Como nasci em 1954, já vi: Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Deles, em minha opinião, apenas dois se destacaram: João XXIII e Francisco. Os outros, salvemos João Paulo I por falta de tempo, foram atrasados, conservadores e pouco representaram em termos de avanços humanitários. Se há santidade na práxis papal, apenas os últimos por mim citados entenderam e seguiram lado a lado com Jesus. Os restantes proibiram, fecharam, construíram um acreditar careta, preconceituoso, totalmente apartado dos valores mais altruístas e recomendados para quem deseja ganhar o reino de Deus. No caso, se lá subiram, foi por questões ligadas aos cargos que ocuparam, pura influência e poder.

Eu tinha apenas nove anos quando João XXIII morreu. Lá em casa ele era admirado, a esquerda sempre gosta dos papas que se revelam interessados nos mais pobres, modernos, direcionados a fugir do tradicionalismo. Ter convocado o Concílio Vaticano II, propondo a renovação da Igreja e a formulação de uma nova forma de explicar pastoralmente a doutrina católica ao mundo moderno, fizeram dele um exemplo a ser seguido, mas esquecido por seus sucessores. Por sua bondade, simpatia, sorriso, jovialidade e simplicidade, João XXIII era aclamado e elogiado mundialmente como o “papa bom” ou o “papa da bondade”.

Depois de um tempo de obscuridade, surgiu Francisco. Um cara bacana. Humano, também sorridente, poucas vezes o vi mais sério, ou contrariado. Guardo a memória de um encontro dele com Trump, talvez a única vez em que o vi mais sisudo. Visivelmente a presença do maluco americano o incomodava.

Seu olhar quase brincalhão, fazia com que sempre me lembrasse de Stan Laurel, o magro de O gordo e o magro, quando o via.

E por ser bondoso, na verdadeira acepção da palavra, incomodou os celerados da extrema direita. Não aceitavam que fosse solidário com os mais necessitados, recebesse os homossexuais e os ouvisse, defendesse a igualdade de gênero, promovendo a participação das mulheres em cargos de destaque na Igreja. Ouvi o presidente argentino Javier Milei fazer, certa vez, vociferando e gritando como costumam se manifestar os ditadores, feroz crítica ao seu conterrâneo:

— É a representação do mal na Terra!

Enfim, perdemos Francisco. E gosto de Franciscos. Tem o Santo que é de Assis, o Buarque, o Velho Chico, rio nordestino, muitos Franciscos me comovem. Até o ditado que envolve o nome é especial: “Pau que bate em Chico também bate em Francisco”. Serve direitinho para os fascistas. E a minha esperança, rezaria se soubesse para ver acontecer, é que os ignorantes de plantão continuem chamando o próximo papa de comunista.

Ricardo Ramos Filho

É escritor, professor de literatura e produtor cultural. É presidente da União Brasileiras de Escritores (UBE). Autor, entre outros, de Computador sentimental, O livro dentro da concha, Conversa comigo e Cidade aberta, cidade fechada.

Rascunho