Uma vez ouvi alguém falar que a voz do Milton é uma voz mineral. Ressoa como se saísse da pedra. Das montanhas de Minas.
Essas montanhas que são uma das chaves para as canções do Clube da Esquina, com subidas e descidas, aquela sinuosidade. A estrada, o rio, o trem, que também se chamava estrada.
Venho a Minas bem menos do que vou à Bahia. Mas volta e meia ela me falta, talvez porque seja “dentro e fundo”, como escreveu Carlos Drummond de Andrade. Seja, a seu modo, uma palavra abissal.
“Ninguém sabe Minas”, disse o poeta de Itabira. “Só os mineiros.” E eles não contam “nem a si mesmos o irrevelável segredo”. Imagine se eu poderia.
A Semana Santa ocupa Tiradentes. Casas enfeitadas com panos roxos, tapetes de serragem pelas ruas, a cidade toda religiosidade e fé. Sozinho, vejo os fiéis contritos numa crença que não é a minha e acho bonito. Então a moça na entrada do Iphan me chama. “Não quer ver uma exposição de fotos?”
Eu entro, olho os retratos, que mostram em técnica pinhole cenas do Rio de Janeiro, o meu Rio agora tão distante. Digo que achei bacana ela tomar a iniciativa de ir pescar as pessoas na rua. Dentro da loja, há uma faixa estendida. É um protesto contra o achatamento dos salários dos servidores do órgão que zela pelo patrimônio histórico do Brasil. Esse é o melhor, e também o pior, país do mundo.
Antes de sair, percebo que a moça está à janela, observando os turistas que chegam para o feriado. Registro a cena com o celular.
A voz mineral do Milton vem dos bares, restaurantes, do som do meu carro. Mas não há estridência. Como se a cidade e a música tivessem feito um pacto. Deixar o excesso para a comida — feijão tropeiro, carne de panela, tutu, doce de leite — e respeitar a respiração do tempo.
Há cidades que desconfiam da pressa. E também de que o cosmopolitismo seja, em regra, uma virtude. Tiradentes é uma delas. Salvador é outra.
Às vezes, mais que desejo, viajar é uma necessidade. Sair do centro, mudar a paisagem, para encontrar a si mesmo. Do fora, para o “dentro e fundo”, como no poema de Drummond.
Vou todo ano, em geral no mês de dezembro, à Bahia. Que me dá o dendê, esse axé sob a forma de azeite, um viço que toma o corpo e se espraia até não mais caber. Minas, agora eu sei, me dá o silêncio.