Feijão com nome de porco

A inusitada e divertida história de um feijão que, apesar do nome, passa longe da orla do Rio de Janeiro
Ilustração: FP Rodrigues
02/09/2023

Quando se fala em feijão, no Rio de Janeiro, nem é preciso recorrer a classificações. Feijão é feijão preto, está subentendido.

Mas basta ultrapassar as fronteiras que a coisa muda. Recentemente, participei de um circuito literário que envolveu oito cidades catarinenses. O périplo, é claro, incluía paradas para o almoço, já que escritores bem alimentados costumam render melhor em suas falas. E foi numa dessas cidades que a questão se apresentou.

O restaurante funcionava no sistema self-service. Cada recipiente trazia um tipo de comida, algumas mais promissoras, outras melancólicas como uma alface molhada. Já havia enchido metade do prato quando me deparei com a plaquinha: “Feijão carioca”.

Dentro do retângulo do buffet, dormia um feijão marrom claro, caldoso, que só lembrava o preto pelo formato dos grãos. “Quase ninguém come esse feijão lá no Rio”, comentei com a Débora Ferraz, escritora pernambucana que me acompanhava na viagem. Ela ficou surpresa: “Mas não se chama carioca?”.

Somos mesmo exceção nesse quesito. O tal feijão que carrega nosso gentílico virou preferência nacional. É o mais cultivado e também o mais consumido no Brasil, respondendo, entre as diferentes espécies do gênero, por 60% da produção. Mas o que me intrigava não eram os dados estatísticos e sim a origem de seu apelido. E a explicação, logo descobri, nada tem a ver com o purgatório da beleza e do caos onde vivo.

Embora alguns jurem, sem fazer figa, que o nome se deve à semelhança das listras dos grãos com o Calçadão de Copacabana, a história passa longe da orla. Começa especificamente em Palmital, no interior de São Paulo, onde há meio século um agricultor percebeu o surgimento de um feijão rajado, e de cor pouco usual, em sua lavoura.

O aspecto lembrava um tipo de porco criado ali mesmo naquela região. Com pelagem em marrom desbotado e pequenas manchas escuras, a raça era chamada de “Carioca”. O termo acabou passando dos bichos para a leguminosa.

Hoje pouca gente conhece o porco carioca, talvez apenas veterinários, zootecnistas e os moradores de Palmital. Já o feijão carioca é sucesso em todo o país. Menos no Rio. Onde almoço digno do nome é com feijão preto. E café da manhã, com pão francês, que nunca foi visto na França.

Marcelo Moutinho

É autor dos livros  A lua na caixa d’água (Prêmio Jabuti 2022), A palavra ausente (2022), Rua de dentro (2020), Ferrugem (Prêmio da Biblioteca Nacional 2017), Na dobra do dia (2015), e dos infantis Mila, a gata preta (2022) e A menina que perdeu as cores (2013), entre outros.

Rascunho