Vida de adulto

Uma consulta de emergência gera algumas reflexões sobre as “benesses” de ser adulto
Ilustração: Vitor Rocha
06/07/2023

Um terçol purulento (não, você não quer saber) me levou ao pronto-socorro do Hospital dos Olhos numa quinta-feira, tarde da noite. Eu esperava encontrar bêbados, profissionais de TI, prostitutas, feirantes e caminhoneiros. Encontrei crianças. Parecia um hospital pediátrico. Excluindo os profissionais da casa, para cada adulto, tinha uma média de duas crianças.

Foi notório o alívio da médica quando chamou meu nome e percebeu que eu já saí das fraldas mas ainda não voltei a elas.

Eu te entendo, amiga. Eu te entendo. Criança é bom porque cresce. Digo, algumas crescem. Outras viram heterotops ou esquerdomachos.

Apesar do meu pânico, nada grave. Daquelas coisas que meio que se resolvem sozinhas.

A médica, cautelosa, recomenda compressas de água quente e lavar com shampoo de bebê. “Do amarelinho”, ela completa, “só serve o amarelinho”. Agradeci e fui embora sem responder que é o shampoo que a Nina usa, já tenho em casa, obrigada.

Saí um pouco arrependida por não ter puxado uma conversa sobre pets que tomam banho com shampoo de bebê. A moça parecia necessitada da diversão, mas minha compaixão pela classe médica, de uma forma geral, não é muito grande. Yes, I have the scars to prove it.

Simplesmente, fui embora.

Volto a pé para casa e chove, é claro. Murphy não dorme jamais e me odeia.

Em casa, Nina me olha desconfiadíssima quando pego o shampoo. Está muito tarde para banho, ela me diz. Não, é emprestado, depois devolvo, respondo. Ah, então tudo bem, mamãe. O diálogo acontece exclusivamente via olhares e posições de orelhas, delas e minhas. Não sei mexer as orelhas, mas gostaria e é a intenção que conta, não me encham o saco.

Faço o ritual prescrito e, sabe, foi um dia longo, abro um vinho.

Tenho viajado tanto esses últimos meses que não tem absolutamente nada para comer nessa casa e eu não aguento mais jantar pipoca. Ó! graças, amém senhor, deus já inventou o ifood. Aparentemente, nesse horário, as pessoas só podem escolher entre comer mal ou caro. Escolho mal. Não tenho testemunhas, dane-se.

Vida de adulto se resume a plano de saúde e serviços de entrega. Quando damos sorte, vinho. E, se você realmente tiver feito algo de muito bom na encarnação passada, um cachorro.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho