O Masp está vivendo dias de diva. Filas homéricas, lotado, a qualquer dia, a qualquer hora. Turistas tirando selfies na entrada, na fila, em frente à placa da entrada. Uma febre.
A primeira vez em que vi filas gigantes no Masp foi em 2007, recém-chegada a São Paulo. Minha mãe e eu fomos assistir a uma aula do professor Renato Brolezzi sobre a obra São Jerônimo penitente no deserto (1448-51), de Andrea Mantegna (1431-1506).
Lembro até hoje do nosso assombro.
Era um sábado de manhã e fazia sol. E aquela quantidade absurda de pessoas dispostas a ficar em pé sei lá por quanto tempo para uma aula específica como essa, sobre uma obra que nunca penetrou na cultura pop. Não entendíamos nada. Entramos. Auditório. Tinha gente sentada no chão. Auditório lotado. E então entra o professor Brolezzi. Baixinho, tímido, meio malvestido, um pouco esquisito. Nosso espanto só fazia aumentar.
E então ele começa a falar. Entendemos. E viramos fãs. E assistimos a todos os cursos, aulas e palestras que esse homem deu.
Foi por causa dele que eu virei professora de História da Arte. Meu estilo de aula é descaradamente roubado do dele. Tem pitadas de outros professores importantes que me atravessaram a alma também, como Juliana Bevilacqua e Fernando Amed. Mas é, basicamente, do Renato Brolezzi mesmo.
Na nossa frente, um diálogo mãe-e-filha diz o seguinte: “nossa, que horror quanta gente/ não seja ridícula, mãe, se é no Louvre você acha lindo e óóó que povo culto e civilizado”. Fez-se o silêncio e eu quero dar um prêmio para a adolescente.
E nós lá naquela fila imóvel, interminável, intransponível. Passam uns crentes querendo nos vender alguma coisa. “Você me converte em PDF mas não me converte em crente”, diz minha jovem companhia. Deve ter sido algo na mamadeira da Geração Alpha. Estou rindo até agora.
Não é incomum que filas grandes e estáticas atraiam vendedores de todos os tipos. Oportunistas, diriam uns. Empreendedores inteligentes, diriam outros. Mas o fato é que fazia frio e uma senhora tentou nos vender ponchos de lã. Sou alérgica, eu disse. A senhora, então, tentando fazer a venda e achando que eu só não sabia dizer “não”, pega um pedaço do poncho e esfrega no meu braço. Vou repetir, ela pega o tecido que eu acabei de declarar que sou alérgica a e e-s-f-r-e-g-a no meu braço. Sem consentimento, sem pedir licença, sem introdução, nada. Três horas depois a vermelhidão e a coceira passaram, felizmente. A minha vontade de estrangulá-la, ainda não.
Entramos. Monet continua sendo Monet, o ônus e o bônus. Pelo menos consegui explicar à jovem gafanhota o que é a famosa sombra impressionista. No prédio novo, a videoinstalação Cinco ensaios sobre o Masp, de Isaac Julien, é absolutamente sensacional. O resto, menos. Bom ainda, mas menos.
Um guia, à nossa frente, fala alto e mal. Parece um animador de festa infantil. Os turistas o seguem como a um oráculo. Todos tiram fotos de tudo. Falam alto, riem sei lá do quê. Fotos, selfies, instagram, um moto-contínuo.
Estamos no primeiro mundo.
E nem sempre isso é uma coisa boa.