Mais velho é quem me diz

Quando chega a sensação de tornar-se a velhinha que conversa com a cachorra e observa as plantas crescerem
Ilustração: Eduardo Mussi
18/01/2024

Acompanho via Instagram, com enorme felicidade, a viagem de uma amiga à Turquia. O país, curiosamente, não está na lista dos próximos lugares que eu gostaria de conhecer. Nina está convencida de que o fato de ser uma fotógrafa profissional e professora de fotografia influencia grandemente no meu prazer em ver as imagens. Pode ser, Nina, pode ser, mas há também uma alegria sincera em ver a amiga curtindo a viagem. Os posts são tão legais que até deu vontade de colocar a Turquia na minha lista. Infelizmente nem sempre o meu banco e eu concordamos com a quantidade de viagens que eu posso fazer.

Outro enorme prazer que tenho é ver aquele povo postando do alto de uma montanha, no meio de uma trilha, acampando, andando de bicicleta, fazendo sei lá que programa natureba e pensar nossa, que lugar lindo. Então dar mais um gole no meu chá quentinho, sentada na minha cadeira confortável, seca, dentro de casa, com Nina no colo e no Spotify.

Envelheci.

Tô com o Adoniran. Sou velho e sou feliz, mais velho é quem me diz.

Finalmente me tornei a velhinha que conversa com a cachorra e observa as plantas crescerem. Quando eu era jovem, imaginava que me tornaria a louca dos gatos. Já até me imaginava sendo evitada pelas crianças e alérgicos do prédio. As pessoas desviando da velhinha doida como se fosse uma pilastra em baliza. Cachorros são mais sociáveis e o efeito foi o inverso. As pessoas puxam conversa comigo, para meu desespero.

Hoje Nina foi recordista de interações sociais na rua. Fiquei sabendo sobre a escolha de cores dos postes do parque, do polimento do chão da portaria do prédio, da formatura da turma do corpo de bombeiros, da inundação da lojinha de doces, do fechamento do café, do vizinho que não toma banho, da criança que fez xixi no jardim, do término do contrato de aluguel da padaria, que a gata do sexto andar deu cria, da interdição de uma pessoa que gritava na rua todas as manhãs, da demissão escandalosa do gerente do restaurante e da falta de luz na quadra de cima.

Não sei se vocês sabem disso, mas além de conversar com absolutamente todo mundo, cantoras de jazz também adoram pegar bolinha.

Chego em casa exausta. Sento, desmilinguida, no sofá e imediatamente começa, em algum lugar próximo, um ensaio carnavalesco. Grudei chiclete na cruz, só pode.

Tenho com o carnaval a mesma relação que tenho com as aventuras naturebas de amigos, nesses lugares que viram fundo de tela. Que lindo, que incrível, que legal, you go girl, ainda bem que não estou lá. O mais engraçado é que eu gosto de samba. Especialmente no Spotify, na poltrona, debaixo do ventilador, com os pés para cima, bebendo algo gelado. Só falta ensinar a Nina a miar e a profecia se concretiza.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho