Escuto Macarena. Descobri uma playlist no Spotify de músicas animadas para dançar. Não danço, mas lavo louça. Me sinto na virada do século de novo. Virada do século soa tão antigo quanto sinto. É anterior a filho. Tinha acabado de pedir demissão de uma multinacional quando a música estourou. Uma outra vida, uma outra pessoa. Ou a mesma longa e complexa vida, da mesma heterogênea e torta pessoa. Pode escolher.
Felipe — hoje, tio Felipe — já estava lá, na minha vida, antes de filho, antes de tudo, antes de todos os muitos terremotos que me atravessaram. Ele acaba de me apresentar à importantíssima sigla LLL. Louça, Laje e Lavoura: nenhuma delas irá se resolver sozinha. No Rio, ficaram pouquíssimos afetos. É uma cidade esvaziada, para mim. Não perdi as esperanças de importar o tio Felipe para São Paulo.
A playlist continua. Na boquinha da garrafa; Ragatanga; Vira-vira (saudades do Mamonas); Nobre vagabundo; Sexy Iemanjá; O canto da cidade. Um achado.
Cantarolo junto. A cor dessa cidade sou eu, o canto dessa cidade é meu. Uôôô.
Nina me olha estranho. Está convencida de que enlouqueci. Tento explicar que o bom humor está intimamente relacionado com as férias iminentes, mas ela não se convence. Acha que preciso de algum tipo de ajuda e late. Ela tem razão. Eu canto muito mal. Continuo rebolando enquanto lavo a louça que não termina nunca, mas calo a boca. Meu silêncio parece ser suficiente e Nina se deita para observar a inegável loucura da sua humana.
Os ovos ferveram. Ovos que ganhei de presente.
Semana passada amigas me presentearam com o que eu mais gosto de ganhar nessa vida: comida. Uma me deu um babaganush feito pelo marido, outra me deu ovos de seu sítio, desses em que galinha tem nome. Venci na vida.
Quando esfriarem e antes de irem para a geladeira, desenharei carinhas engraçadas neles com lápis, para lembrar quais estão cozidos. É um hábito antigo. Desses que fazem sentido mas que mais ninguém no planeta faz e aí sou eu que passo por doida.
Felipe tem razão sobre louça. Não faço ideia de como se sobe uma laje ou de como se cultiva uma lavoura, mas imagino ser bem pior.
No tic tic tac do meu coração. Deu saudades de Salvador. Só vi a Timbalada ao vivo uma vez. Ainda lembro do impacto da batida no corpo. A gente escuta com a pele, não com o ouvido.
Finalmente acabou a louça.
Com um clique, o idioma muda. We are family. I got all my sisters with me. We are family. Get up, everybody, and sing.
Penso no Felipe, no Bruno, na Denise, no Fábio, nessa família que construí ao longo dessa nem um pouco simples vida. Tenho orgulho do filho que criei, das relações que estabeleci e da arte que produzi. Todo o resto é supérfluo.
I got all my sisters with me.