Quando essa crônica for publicada, estarei em Manaus, para o congresso da Abralic e já terei feito a minha apresentação. Portanto, não serei mais essa pilha de nervos que vos escreve.
Anos fazendo isso e ainda não me acostumei completamente a essa coisa de falar em público. Especialmente quando, como será o caso, os rostos são desconhecidos.
Quando é sala de aula é melhor para mim. Os alunos são regulares. De alguns eu sei até o nome.
Nem sempre decoro o nome do cidadão, mas sempre lembro do rosto. Quando o aluno aparece, é claro.
Todo semestre tem uns quatro ou cinco que surgem na prova feito assombração e eu preciso perguntar se é meu aluno mesmo, se não errou de sala. Por uma dessas coincidências da vida, normalmente são os mesmos que acabam reprovando na disciplina. Fico feliz, isso prova que minha aula não é decorativa ou inútil.
Como todo professor sabe, a briga maior hoje é com o celular e com o chatgpt. Vocês não fazem ideia do ódio mortal que tenho das IAs.
Confesso que tem horas que é engraçado. Em uma determinada prova de História da Arte, eu projeto uma obra e peço a análise por escrito. Uso o método da projeção para poder variar a obra entre as turmas, mas é sempre algo visto anteriormente em aula. Minhas turmas são grandes e às vezes a gente não consegue observar todo mundo. Uma dessas alunas-turistas deu algum jeito de colar. Não vi na hora. A prova veio com uma ótima análise, com direito a datas de nascimento e morte… de outro artista, que não consta do conteúdo programático da disciplina; de outro período histórico; de outro quadro com o mesmo tema e elementos. Deve ter descrito o que estava vendo para o chat e copiado a resposta, até que completa, a respeito da outra obra.
As notas zero e dez são as mais fáceis de corrigir.
Em Manaus não terei rostos conhecidos e nem turistas sem noção. Será uma plateia de pessoas altamente especializadas em assuntos no mínimo correlatos ao meu. Ou seja, desconhecidas com noção.
Faço isso a tempo suficiente para saber que na hora baixa um santo qualquer e dou conta do recado, mas os dias que antecedem essas apresentações são uma verdadeira tortura.
Nem entrei de férias ainda e já estou com saudades dos meus alunos. De vez em quando tenho vontade de perder o réu primário, mas pelo menos são conhecidos. Muitas vezes é só o corpo presente, é verdade, mas eu sei quem são.
Minha mãe costumava tentar me acalmar dizendo que só peru morre de véspera. O problema é que isso era uma mentira deslavada. Eu herdei esse pânico dela. Ainda que ela jamais admitisse, claro. Assim como ela, fico enjoada, estômago todo virado, o nervosismo me dá náuseas.
Para falar a verdade, fico enjoada meio que com qualquer coisa. Cheiro de fritura, um motorista ruim daqueles acelera-freia, movimento de câmera muito rápido em um filme, perfumes doces, gente chata…
Que bobagem a minha/nossa.
Muito melhor passar mal de tanto tambaqui com farinha de Uarini.