Decoração

Um desenho sem muito sentido, feito na infância, e ideias geniais para a decoração da casa
Iluistração: Carolina Vigna (aos 6 anos)
13/07/2023

Nas coisas da minha tia, alguns desenhos meus de criança. Um deles parecia lhe ser especial. Estava grudado em um papel cartão de gramatura alta, em pé em uma estante de livros franceses. Era uma decoração da casa.

Fiquei olhando o desenho por muito tempo, sem me reconhecer nele. Eu estava aprendendo a escrever, o que, na minha biografia, significa algo próximo dos 6 anos.

Depois de algum exercício, consegui entender tratar-se de um desenho natalino, talvez um presente de Natal para ela. À esquerda, uma estrutura que com alguma licença poética se parece com uma árvore de Natal. Na ordem de leitura, seguem uma igrejinha, um presente de Natal, uma figura que provavelmente é um Papai Noel segurando um presente, outro presente, uma casa amarela. No céu, estrelas, gaivotas, nuvens, o sol e o meu nome.

O desenho está todo amarelado. Tenho zero lembrança de tê-lo feito e, ao mesmo tempo, tenho muitas memórias de muitos desenhos.

O mais curioso é observar o tanto de influência escolar esse desenho carrega, já que árvores de Natal, igrejas e papais noéis não faziam parte do repertório familiar habitual. A origem, certamente, é de alguma professorinha do primário que achou que esses elementos eram os ideais para compor um presente à minha tia.

Conhecendo minha família, é bem capaz desse desenho ter sido guardado tanto por carinho quanto por curiosidade ou ironia. O que levaria Carolina, ainda que criança pequena, a representar algo tão alienígena à sua criação? Quase uma private joke.

Somos uma família com uma longuíssima tradição de piadas particulares que perduram por décadas até o ponto em que mais ninguém nos entende. Um tipo muito específico de dialeto.

Os aniversários dos bichos, por exemplo. Nossos quadrúpedes são todos adotados, o que significa que não sabemos ao certo o dia de nascimento de nenhum deles. Decidimos, então, por aproximação. A Nina Simone faz aniversário amanhã, na Queda da Bastilha. Dois aninhos.

Por falar em piadas particulares, um dia mando imprimir em plástico adesivo várias pinturas para aplicar no espelho das tomadas da minha casa.

• Tomada da Bastilha, de Jean-Pierre Houël;

• Tomada de Constantinopla, do Tintoretto;

• Tomada de Constantinopla, do Delacroix;

• Tomada de Constantinopla, do Gustave Dorè;

• (Re)tomada de Laguna, de Rafael Mendes de Carvalho;

• Tomada do Monte Castelo, de V. Zagloba;

• Tomada de Lisboa, de Roque Gameiro;

• Tomada da Ponte da Azenha (Farroupilha), de Augusto Luiz de Freitas;

• Tomada de Granada, de Francisco Pradilla Ortiz;

• Tomada de Ceuta, de Jorge Colaço.

Eu sei, eu sou um gênio da decoração. Pode roubar a ideia, se quiser, mas me manda foto.

Experimento o chapeuzinho de aniversário na Nina enquanto rio sozinha da minha piada das tomadas, que um dia ainda será prática.

Nina está muito preocupada com a saúde mental da sua humana, mas nós já conversamos sobre isso, está tudo bem agora.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho