O tempo na poesia de Lourival Serejo

Os poemas de “E o tempo larga o relógio a galope por seus prados” traz o tempo como desaparecimento, descaminho, derrocada
Lourival Serejo, autor de “E o tempo larga o relógio a galope por seus prados”
01/05/2023

Publicado pela 7Letras em 2022, o livro de poemas E o tempo larga o relógio a galope por seus prados, de Lourival Serejo, tem o tempo, como já indicado no próprio título da obra, como inquietação maior do poeta. Inquietação que é de imediato transferida ao leitor. Parece até que Lourival Serejo, que é um leitor arrebatado, que sabe saborear e comentar as obras que lhe caem às mãos (basta ver o seu livro de resenhas Literatura no espelho), bebeu em Machado de Assis aquela máxima lúgubre: “Matamos o tempo, o tempo nos enterra”. O tempo, para Lourival Serejo, é desaparecimento, descaminho, como no comovente poema As mãos: “foram-se todas as mãos”, por isso o poeta já não tem “a quem pedir bênção”. As mãos do pai e as da mãe: “Aquelas mãos/ finas e/ frágeis/ postas sobre a minha cabeça/ tinham uma força sobrenatural”. O tempo para o poeta é também declínio, derrocada, como no narrativo O espelho, em que dois amigos, após anos, se reencontram num restaurante: “um deles olha para o outro/ e constata: como está acabado”, enquanto o outro, também abismado, avalia ou, antes, admite: “ainda irei ao seu enterro”. Em Galope, mesmo que “amarrado no poste” (intertexto com o poema de Manoel de Barros), o tempo “arrebenta a corda”. Ainda em Galope mesclam-se no mesmo impasse, incorrem no mesmo vazio, tempo existencial e tempo histórico (“passou a Primavera de Praga/ passou o Vietnã/ passou Gorbachev”). É essa também a tônica de Paralelo 17, em que ressoam as “botas de 68”, um tempo de “pressão/ repressão/ danação” e em que “jovens soldados/ virgens morriam a granel”. O poeta, desassossegado, está “sempre em luta/ contra o tempo” — luta, no plano pessoal, contra a inexorabilidade e, no plano histórico, contra os destroços/escombros do tempo. Essa luta o faz desejar “os ponteiros voltarem/ voltarem/ voltarem” até que satisfaçam a sua “ilusão”. Ilusão (de deter/domar o tempo) que também o faz, como a personagem de Faulkner, quebrar o seu “relógio de estimação”. Há também no livro uma série de poemas metalinguísticos. Entre eles destaco Luta de lavrador, A pedreira, A rima e o ótimo No inferno, no qual é louvada, mais que o tema, a forma como Dante narra os círculos do inferno na Divina comédia. A metalinguagem de Serejo remete à engenharia poética cabralina. O livro traz ainda alguns poemas com temática variada: impotência diante da pobreza do país (Fraternità); o desejo de reposicionamento do ser (Metamorfose); a identidade latino-americana, que faz Havana se assemelhar a São Luís (Havana); o tema do desterro (Tormentos); preconceito (A história de P.). Lourival Serejo, seguramente, está entre os bons poetas da cena literária nacional.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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