Curiosidade movida a lápis e papel

Entrevista com o ilustrador Rogério Coelho
Rogério Coelho. Foto: Regina Fernandes
01/01/2013

É com a mente aberta de um curioso apaixonado pelo que faz que o ilustrador Rogério Coelho mergulha em cada novo trabalho. Com um traço seguro e um vivo jogo de cores, o paulistano radicado em Curitiba ilustra desde livros infanto-juvenis a didáticos, além de colaborar para jornais e revistas. Nascido em 1975 e atuando como ilustrador profissional desde 1997, Coelho considera uma necessidade pessoal esse trânsito por diversas áreas da ilustração. “Mas se for me perguntar, de todas essas, em qual área me sinto mais a vontade, é fácil responder. Me considero primordialmente um ilustrador de livros, em especial os de literatura”, responde o vencedor do prêmio Jabuti 2012 na categoria de ilustração em “Didático e Paradidático”, com a coleção “Mundo leitor – linhas da vida”. Entre os mais de 150 trabalhos com livros (de literatura e didáticos), figuram as ilustrações da adaptação de Fernando Nuno do clássico de Jonathan Swift, As viagens de Gulliver e dos infantis O rato do campo e o rato da cidade, de Ruth Rocha e O gato que virou história, de Ferreira Gullar. Em 2010, lançou O gato e a árvore, seu primeiro livro, que considera uma narrativa visual. Nesta breve entrevista, Coelho fala sobre as mudanças que os programas digitais trouxeram para seu trabalho e novos projetos para 2013.

• Seja no campo técnico, seja na forma com que você encara o ato de ilustrar, o que mudou nesses 15 anos de carreira?
A gente muda todo dia. Às vezes não é bem uma mudança e sim uma ida e volta. Muitas vezes o mudar é você voltar a fazer alguma coisa que fazia antes, é uma técnica, uma referência abandonada que volta e faz com que o trabalho pareça novo. A referência permanece a mesma, a técnica também, mas o tempo faz com que tudo tenha valor diferente e isso dá um refresco no trabalho. Na parte técnica o uso de softwares mudou muita coisa, pelo menos no meu caso. Trabalhar digitalmente permite que eu tenha um controle maior sobre o que estou fazendo, até provoca mais minha criatividade, uma vez que o erro é amenizado com a facilidade da correção. Mas uma coisa importante é que hoje, mesmo que a saída final dos meus trabalhos seja digital, não abro mão do desenho manual, principalmente nos primeiros estágios do projeto. Gosto muito de desenhar e pintar da maneira tradicional e tenho enchido sketchbooks inteiros com desenhos e idéias. Acho que o aprendizado a partir das técnicas manuais é importantíssimo para a formação do ilustrador. Ele tem que saber usar uma tinta, o lápis, o giz, conhecer as reações dos materiais. Esse aprendizado vai ser de extremo valor para que ele use as ferramentas digitais de uma forma mais genuína e crie trabalhos mais originais.

Ilustração para o livro “O país do quase”, de Tadeu Pereira

• Como é seu contato com o autor do livro durante o período em que está ilustrando aquela obra? E no caso de um clássico, como As viagens de Gulliver, ajuda ou atrapalha?
Varia muito, mas no geral é pequeno. O resultado de uma parceria mais aproximada também é muito variável e eu não tenho uma preferência. No momento que acontece uma aproximação é que você acaba vendo se aquilo está sendo interessante ou não, é caso a caso.Ao fazer um livro muitas vezes cada um se acha dono de tudo, mas no final acaba-se vendo que ninguém é dono de nada. Explico. É muito difícil num processo colaborativo, como é produzir um livro, você levar idéias intactas até o final, e isso não vai ocorrer por imposição, é uma construção, você vai pegando algumas coisas pelo caminho e guardando e outras coisas que você levava e achava tão importantes vão sendo jogadas fora. Acho que entra certa humildade aí, mas também alguma inteligência de todas as partes envolvidas. Melhores idéias não serão só do autor, ou do ilustrador, ou do editor, talvez as melhores sejam a soma das impressões de cada um. Todos devemos ter convicções , no meu caso tenho muitas, mas acho que a convicção sempre deve te empurrar para o caminho do acerto.Ilustrar um clássico te dá certa liberdade porque o autor não está fisicamente presente para opinar, o que não impede outros tipos de manifestações sobrenaturais da parte dele caso sinta que seu trabalho esteja sendo mal-tratado.Brincadeiras a parte, o que existe é a responsabilidade de procurar ser fiel a algumas coisas do texto e fazer com que aquela obra continue viva e reconhecível graças ao que fez dela um clássico. Mas também é importante deixar a marca pessoal. E isso se consegue a partir de uma aproximação maior da história pessoal do autor e das circunstâncias em que aquela obra foi escrita. No caso do Gulliver um processo como esse foi primordial. Tenho pensado muito sobre isso e acho que ainda temos muito para tirar desses textos clássicos, nos ricos símbolos e valores que eles trazem.

• A dedicação não exclusiva à ilustração literária é decorrente do mercado brasileiro atual?
Essa pergunta permite que eu esclareça algumas coisas, em especial sobre o material que ganhou o Jabuti.Durante toda minha carreira sempre procurei transitar pelos mais variados veículos. Além de revistas e jornais, já fiz cartazes, capas e encartes para CDs, aplicativos (A menina do narizinho arrebitado, de Monteiro Lobato para iPad), cenários para games. Sou muito curioso e é muito difícil eu me acomodar em alguma situação, adoro bons problemas, por isso sempre tenho a necessidade de descobrir e me adaptar a diferentes áreas de aplicação do meu trabalho. O mercado de ilustração de livros é bom, teve anos em que cheguei a ilustrar dez livros no ano, coisa que não quero voltar a fazer. Acho que o fato de transitar em áreas diversas é mais uma necessidade pessoal do que de mercado. Mas se for me perguntar, de todas essas, em qual área me sinto mais a vontade, é fácil responder. Me considero primordialmente um ilustrador de livros, em especial os de literatura. É a área sobre a qual tenho me debruçado em estudos para ampliar a condição do meu trabalho.Sobre a coleção “Mundo leitor – linhas da vida”, apesar de ela ter sido 1º lugar na categoria didático e paradidático no Jabuti, é uma coleção que contraria muito o estereótipo que temos de livros didáticos. É um material que avança, abre possibilidade e caminha numa linha muito tênue entre diversas classificações. Fiquei feliz por ter sido premiado nessa categoria, pois acho que a coleção pode ser um bom parâmetro para a produção de didáticos e paradidáticos em geral.Meu papel específico nessa coleção foi como autor de sete livros de imagem, livros com uma narrativa ilustrada sem texto. Criei as histórias, personagens e ilustrações. Depois os personagens foram utilizados no livro de atividades, em que também participei como ilustrador, e muitos dos temas levantados nas minhas histórias acabaram sendo adotados como conceitos para o desenvolvimento do material. Fica difícil resumir a amplitude do projeto, que vai muito além do aluno receber o livro em sala de aula e ficar resolvendo isso com o professor. Testemunhei um trabalho muito amplo envolvendo família e comunidade através das ações da articulação pedagógica da editora, que fazia com que o potencial do livro fosse colocado em prática de uma forma muito consistente. Tenho orgulho de ter participado desse projeto, tanto pelo belo caminho que a coleção tem cumprido, mas também pela convivência com profissionais excelentes.Hoje trabalho na continuidade desse material, uma segunda fase do projeto, onde tenho feito a autoria e ilustrado mais sete livros de imagem.

• Em O gato e a árvore, você mescla a linguagem de ilustrações com a das histórias em quadrinhos. Trabalhar com quadrinhos já esteve em seus planos?
Sim, sempre. Gosto muito de quadrinhos, tenho uma coleção razoável em que é possível encontrar de tudo um pouco, desde quadrinhos de super heróis até os alternativos, desde mangás aos quadrinhos italianos como Tex. Não tenho nenhum preconceito com qualquer gênero de quadrinhos.Meu início mais efetivo no desenho se deu através de quadrinhos, fiz muitas HQs e até cheguei a publicar em revistas de pequena tiragem. Ano passado participei com uma HQ no livro MSP – Novos 50, que traz trabalhos de 50 artistas criando histórias com os personagens do Mauricio de Sousa. Cada um usando sua visão particular para construir a história, tanto no roteiro quanto no desenho. Fiz uma do Horácio, a HQ que abre o livro. Foi uma ótima experiência e também uma realização pessoal ao ter meu nome vinculado ao do Mauricio, que é uma pessoa admirável.Apresentei recentemente um projeto de quadrinhos para uma grande editora. Se acontecer, vai ser uma coisa com repercussão legal, mas vamos aguardar.

• Você tinha um outro projeto nessa área, o Barco dos sonhos. Em que pé está?
Barco dos sonhos sai em 2013 pela editora Positivo. O original está aprovado e esperando para produzir há algum tempo. O pessoal da editora tem sido muito parceiro no aguardo desse projeto. Um problema com projetos pessoais é que muitas vezes eles vão perdendo a vez em função de outras coisas que vão aparecendo. É um livro de imagem, com uma trama mais complexa do que O gato e a árvore. Tenho trabalhado nos estudos e na paginação dele. Esse tempo de espera para produzi-lo também fez com que o roteiro e as idéias amadurecessem e acredito que agora será um livro com um potencial muito maior do que ele tinha inicialmente.

Guilherme Magalhães

É jornalista.

Rascunho