Peguei um freela de criação de conteĂşdo pra EAD. TrĂŞs dias escrevendo o conteĂşdo. Cinco dias cumprindo a burocracia. Deu errado, gente, volta. Devolve pros indĂgenas, vamos sair de fininho.
SĂł nĂŁo ando mais irritada com burocracia porque, desde o ano retrasado, admiti minha incompetĂŞncia e contratei um contador para fazer os impostos de renda da famĂlia. NĂŁo me diga que Ă© fácil. NĂŁo Ă©, nĂŁo. É tudo horrĂvel. Burocracia Ă© uma invenção de LĂşcifer em pessoa. Foi ele, tenho certeza.
Que tipo de mente pervertida inventa formulários, exigĂŞncias, perguntas modelo Enade? Ou qualquer coisa modelo qualquer coisa? Implementar essas coisas exige um tipo muito especĂfico de fetiche sádico.
Sou a favor de voltarmos ao ensino peripatético de Aristóteles, obrigando os alunos a pensarem ao invés de anotarem, fotografarem, gravarem, downloadearem, pqparem tudo.
Ao obrigarmos as pobres almas a responderem perguntas modelo-avaliação-da-moda, criamos macaquinhos amestrados especialistas em avaliações e retiramos dos alunos qualquer possibilidade de reflexão. E por alunos quero dizer qualquer um. Outro dia, explicando a um amigo sobre o ângulo de visão humano, precisei pedir que olhasse para mim (via Zoom, ainda estamos em quarentena, outro inferno que não acaba), pois estava fazendo um gesto com as mãos que era relevante para a explicação. Ele, cabisbaixo, anotava tudo o que eu dizia compulsivamente.
Sabe quem Ă© bom de anotar? DatilĂłgrafos e estenĂłgrafos. NĂŁo gastam um Ăşnico neurĂ´nio pensando na qualidade do que escrevem, apenas traduzem nos dedos o que entra pelos ouvidos. Eles pensam na forma correta do que digitam mas nĂŁo no que significa. Atuam no campo do significante, nĂŁo do significado. Criamos um exĂ©rcito de alunos estenĂłgrafos e depois reclamamos da falta de reflexĂŁo. A culpa Ă© nossa. E a culpa Ă© nossa por aceitarmos essa burocracia demonĂaca de colocar tudo absolutamente dentro da mesma formatação, modelo, formulário, esquema, jaula.
Existem padronizações que nos ajudam, como por exemplo um único tipo de tomada. Seria bom, né minha filha? Ou a ABNT, minha amante secreta, que facilita quem quer ir atrás da referência citada no texto.
Existem padronizações que apenas servem Ă preguiça do outro ou que fomentam a preguiça do outro. Existem padronizações que nivelam, sempre por baixo. EstĂŁo a serviço do medĂocre.
Sem falar que perguntas objetivas normalmente demonstram a capacidade de memória do aluno e sua atenção a pegadinhas; não a sua compreensão, justamente por não permitir qualquer resposta fora do modelitcho.
Se eu pudesse, dava notas por presença e atenção. Assistiu a todas as aulas? Sete. Assistiu a todas as aulas e desligou o celular? Dez. Pronto.
Precisamos urgentemente mudar tudo. Derrubar tudo. O patriarcado, o governo, os formulários e os modelos.