Em uma reunião técnica sobre uma disciplina, um colega professor me chama de “menina”. Não, companheiro. Cara colega, professora, doutora, o que você quiser. Aceito até o meu primeiro nome. “Menina” o senhor enfia de volta no lugar de onde vieram as suas ideias.
Em outro momento, um macho aleatório me interrompe a cada respiração. Não como em um diálogo normal, fluido. Não. Interrompe para me calar. Irritada, decido não permitir. Resultado? Ah, a Carolina é muito estressada.
Estou cansada.
O cansaço às vezes me derruba, mas a raiva não me permite parar.
Toda mulher tem tanta histĂłria parecida que chega uma hora que a gente para de contabilizar, de guardar, de memorizar. Criamos uma certa insensibilidade para sobreviver, mais ou menos como um mĂ©dico intensivista que, de tanto ver morte, se acostuma. NĂłs nos acostumamos. E nĂŁo deverĂamos.
O Ă´nus, nĂŁo importa a situação, Ă© sempre da mulher. AtĂ© na estatĂstica, algo criado para refletir quantidades e nĂŁo qualidades. Contabiliza-se o nĂşmero de mulheres estupradas, nĂŁo o nĂşmero de estupradores. Contabiliza-se a quantidade de adolescentes grávidas, nĂŁo de pais adolescentes.
Ando de saco cheio de homens, do Brasil e, especialmente, de homens brasileiros.
Aqui ainda temos a figura do esquerdomacho. Isso Ă© uma invenção brasileira, como lei que nĂŁo pega, grupo de famĂlia no zap, reuniĂŁo de condomĂnio e outros infernos. O pior tipo de macho Ă© o que posa de desconstruĂdo. ĂŠnfase em “posa”. NĂŁo Ă© real. É uma máscara. É aquele que critica seus colegas de gĂŞnero nĂŁo como o resultado de uma reflexĂŁo, mas como um trampolim para se diferenciar.
Teve um, em especial, que era tĂŁo charmoso que conseguiu com que eu quebrasse a minha regra de me relacionar com homens de áreas profissionais prĂłximas. Esse falava sem parar e isso deveria ter sido um alerta, mas eu sou burra. Ele precisava comandar a conversa, quase um monĂłlogo. O narcisismo, de uma forma geral, já Ă© ridĂculo. Esse era patĂ©tico. Baixinho e complexado, mantinha as cobertas no armário mais alto. Fazia frio. O ato de pegar as cobertas, que durou uma eternidade, foi recheado com uma narrativa sobre usar uma determinada calça há dĂ©cadas e se orgulhar de que ainda cabiam.
Emendou o discurso sobre natação e eu lá esperando, pensando que tudo o que eu queria era silĂŞncio e dormir aquecida. Criticava a atitude de outros homens mas, na primeira vez que precisei de afeto e atenção, disse “muito pesado” e sumiu. Covarde, exatamente igual Ă queles que critica. Incorporou a sua pouca altura Ă sua personalidade. É um homĂşnculo. NĂŁo o vejo desde entĂŁo, mas o reencontro será divertido. Oh, como será. De mim ele nĂŁo conseguirá se esconder atrás de seu imenso currĂculo. Será uma máscara que nĂŁo vai colar.
A grande vantagem de estar velha é que nos enganamos menos pelas máscaras a nossa volta. Os disfarces não funcionam mais.
Estou cansada.
Estou cansada até mesmo de estar cansada.
Enquanto estava aqui destilando a minha bile, filho me interrompe. Olho para ele e vejo um homem feito. Um homem que não posa. Um homem real, inteiro, humano e que respeita as pessoas baseado em quem elas se tornaram, independentemente de gênero. Esse mérito não é só de sua criação, mas de todo um entorno que está, finalmente, mudando. A minha geração é uma vergonha, mas há esperança.
Decidi, graças a filho, levar a vida, a sorrir e deixar os homúnculos para lá.
O sol nascerá.