🔓 O que eu vou ser quando crescer?

Entre ser médico ou palhaço, cronista resolveu escrever e agora tenta matar a fome de muita gente com seus textos
Ilustração: Ivo Minkovicius
09/05/2021

Nunca me esqueço de um diálogo que tive com um amigo de meu pai numa festa. Eu tinha uns oito anos e o cara fez a célebre pergunta: “O que você vai ser quando crescer?”. Na época, eu estava em dúvida entre piloto de fórmula-1, cientista, jogador de futebol e astronauta. Enquanto escolhia meu futuro, o sujeito, que era médico, disparou:

“Por que você não vai ser médico? Não tem nenhuma profissão mais útil do que essa, porque ele não deixa as pessoas morrerem”.

Pensei: “Pô, isso é verdade. Mas eu não quero cortar pessoas e ver sangue”. Então, meio sem jeito, contra-ataquei: “Palhaço também é bacana. Deixa todo mundo feliz”.

O Doutor Esperto contra-contra-atacou: “Mas as pessoas só ficam felizes se estiverem vivas”.

Touché! Ele ganhou o duelo de argumentos. De uma criança de oito anos, mas ganhou.

Por muito tempo fiquei mesmo pensando que deveria ser médico quando crescesse. Mas aos poucos fui reformando a ideia e passei a me contentar em ser psicólogo, que me parecia um tipo de médico que não corta ninguém nem vê sangue.

Fui fiel a esta opção até meados do terceiro colegial. Mas, quando tive que preencher o formulário da Fuvest, disse para mim mesmo: “Quer saber? A aula que eu gosto mais é de português. Principalmente a parte de redação. Quero fazer é Letras, e dane-se a Psicologia!”.

Eu me respondi a mim mesmo: “Dou-me todo o meu apoio”, e apertei minha própria mão, selando o pacto.

Foi um impulso. E não me arrependo. Mas a dúvida ficou para sempre na minha cabeça: “Será que eu devia ter sido médico para ajudar mais gente? Será que literatura ajuda em alguma coisa? Será que ela pelo menos muda o mundo, nem que seja um pouco?”.

Ainda não tenho resposta para isso. Em dias pessimistas penso que a literatura não adianta nada. Em dias realistas acho que ela não precisa ter nenhuma função. E em dias otimistas acho que ela pode fazer as pessoas pensarem melhor (como faria um psicólogo) e serem mais felizes (como faria um palhaço).

Mas hoje é um dia hipermegaultrasuperotimista. Estou achando que a literatura pode até salvar vidas.

Vou explicar. Senta que lá vem merchandaizim!

Não sei se a cara leitora e o barato leitor sabem, mas tenho uma página no Facebook chamada Diário do Bolso, onde escrevo um falso diário do presidente Bolsonaro. Ela tem mais de 40 mil seguidores e já rendeu 4 livros de crônicas (o primeiro até foi finalista do Jabuti, pasmem!).

Pois bem, para não ficar apenas rindo com a boca cheia de dentes, esperando a morte chegar, decidi entrar na campanha Se tem gente com fome, dá de comer, formada por um grupo sério de entidades, como a Coalização Negra por Direitos, a Anistia Internacional e a Redes da Maré.

O jeito que encontrei para ajudar foi montar uma edição especial (em PDF) do Diário do Bolso, com os melhores textos dos quatro primeiros livros (o creme de la creme, ou melhor, o purê do purê). Este livro digital será vendido numa plataforma de financiamento coletivo e todo dinheiro arrecadado será doado para a campanha.

O leitor receberá o livro digital pelo seu e-mail, lindão, cheio de ilustrações de Ivo Minkovicius, e com um texto exclusivo (um diálogo do Bolso com os 4 cavaleiros do Apocalipse).

A ideia é dar o melhor do pior para deixar o pior um pouco melhor (não, nunca pensei em ser publicitário).

Acho que isso não chega a salvar vidas, mas pode ajudar um bocado. Ainda não terei um trabalho tão nobre quanto o de um médico, mas, para um cronista internético, até que não está mal.

E, se você chegou até este ponto e quer ajudar na campanha, basta acessar este link.

Tomara que você participe e espalhe a ideia. Porque tem gente com fome. Muita gente.

José Roberto Torero

Escritor e roteirista, Torero nasceu em Santos (SP), em 1963. É autor de O chalaça (prêmio Jabuti na categoria romance em 1995) e Os vermes, entre outros. Também é autor de livros de não ficção e de literatura infantojuvenil. Ao lado de Paulo Halm, assinou o roteiro do longa-metragem Pequeno dicionário amoroso.

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