🔓 La vie en tournesols

Mesmo atulhada de trabalho, a cronista encontra tempo para pensar na importância das flores na vida cotidiana
Ilustração: FP Rodrigues
14/04/2022

Minha mente e eu muitas vezes discordamos do que é prioritário. Eu aqui, cheia de trabalhos para entregar e a desgraçada pensando em florzinhas.

Não, la vie não é en rose mesmo, nem por um instante, acorda ô jungette (lê-se iunguétchi posto que sou carioca).

Se bem que, considerando que as flores nada mais sĂŁo do que o ĂłrgĂŁo reprodutivo das plantas, talvez nĂŁo seja Jung a referĂŞncia mais apropriada.

O Freud em mim saĂşda o Freud em vocĂŞ.

As flores são relativamente novas na história da evolução. Surgiram há 140 milhões de anos. Antes disso, só tínhamos samambaias e árvores.

Lembro da famosa fotografia Flower power, tirada pelo fotojornalista Bernie Boston durante um protesto pacifista contra a Guerra do VietnĂŁ, em Washington no dia 22 de outubro de 1967. Meu lado hippie que Ă s vezes floresce, com trocadilhos, agradece.

Me pergunto se todas as flores sĂŁo fractais. Os prazos mordendo meu calcanhar e vou googlar sobre flores e fractais. Gosto de viver perigosamente.

Coloco Cartola para tocar. Bate outra vez com esperanças o meu coração.

No século 19, botões de rosas eram usados como uma linguagem codificada. A quantidade de botões entregues à amada tinha um significado específico. 100 botões significavam “Sexo?”. Hoje em dia, basta um emoji bem-humorado.

Vou falar pro namorado “vejo flores em você”. Assim, sem contexto algum. Ele já está acostumado.

Olho para a tatuagem de girassóis em meu braço. São um detalhe de um dos quadros no tema, do van Gogh. Me pergunto se o Vincent sabia dessas coisas. E, como um moto contínuo, me pergunto se importa. Não, não importa.

A única coisa que importa é conseguir olhar para a flor e enxergar além. É ver o sexo, a pincelada, o poema, a música.

Um bibliotecário francês chamado Édouard-Léon Scott de Martinville registrou (1857), em um papel, as ondas sonoras dele cantando Au clair de la lune. O que eu acho mais legal nessa história é que o bibliotecário queria “fotografar” o som das palavras. Ou seja, era uma busca pela imagem do som. Ele não estava minimamente interessado no áudio do som.

Se você olha para um quadro do Monet e vê florzinhas, olhe de novo. Uma obra como Los nenúfares (1904) existe para que a gente possa escutar o barulho da água no vento, sentir o cheiro das plantas e, assim como o pintor, permitir que o brilho da luz nos ofusque a clareza da imagem.

Da mesma forma, mĂşsica a gente escuta com a pele.

Levei muito tempo para compreender isso. A maturidade me trouxe a certeza da minha burrice.

Mario Quintana, no maravilhoso Seiscentos e sessenta e seis, diz “E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas”. Ainda não tenho 60 mas tenho em mim a sensação de agora, para mim também, é tarde demais para ser reprovada.

Sigo em frente.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho