Este apetite das coisas pra já, esta nossa ansiedade suicida. Esta desconfiança feita prudência, tantas vezes também nossa inimiga. A doçura que negligenciamos até nas nossas despedidas. Este contentarmo-nos com um caldo para a alma só de água, pouco sangue e muito osso. E as nossas antipatias, o nosso dar de costas, as nossas torres de orgulho, tão vaidosas quanto a vaidade alheia que recriminam.
Nossos martelos fechando questĂŁo e sentença num golpe seco meio-irmĂŁo da guilhotina. Nossos gestos guardados, suspensos Ă falta de uma faĂsca, encarquilhando-se, despigmentando-se, como sementes que já nem servem aos passarinhos. Este estado poĂ©tico da vida quando falha, desfigurando o deslizar da lâmina sobre o gelo, desencantando a nossa dança, devolvendo o corpo que pairava a um corpo que despenca.
Nossos pĂ©s apalermados em pobre acordo com um pensamento chĂŁo. Nosso bandolim pendurado na parede. Nossas caixinhas funerárias usadas em cantos de estante como apoio para livros. Estes nossos abortos, nĂŁo sĂł os por direito, mas os clandestinos, e entre esses, nĂŁo sĂł os de fundo de clĂnica, mas os realizados na câmara de ecos do banheiro.
Este pavio molhado, que nĂŁo acende, que nĂŁo aceita iluminar-se, que nĂŁo consente, tĂŁo impávido quanto inepto. Este desnĂvel aparente entre o nosso melhor e nĂłs mesmos. Esta nossa porção infĂ©rtil. Nosso olhar parado e sem foco. Nossos confins sem conexĂŁo. Nossos demĂ´nios lestos em colaborar com argumentos. Estas horas de areal no vento lavando palavras, desescrevendo-as, este rogo surdo da cabeça entre as mĂŁos chamando, chamando o esquecimento.