🔓 Antes que seja tarde    

Penso que em 2022, ano em que comemoraremos 200 anos de Independência, deveríamos mostrar ao mundo que estamos preparados para enfrentar o futuro
Ilustração: FP Rodrigues
26/03/2021

Querido (a) e preocupado (a) leitor (a), como todos sabemos, se tudo der certo — nunca se sabe… — no ano que vem, 2022, além de completar 200 anos de independência do Brasil — espero que você não tenha faltado a essa aula! —, teremos eleições presidenciais. De novo iremos às urnas — eletrônicas, espero — para escolher quem estará no comando do país por mais quatro anos.

No último pleito, em 2018, tivemos a oportunidade de optar entre a civilização e a barbárie — e decidimos pela barbárie. Resultado: entregamos o poder ao Inominável, que está destruindo o Brasil em todos os sentidos — econômico, moral, ético, ecológico, político — e que se compraz em conduzir a gestão da pandemia como o motorista de uma jamanta, a carroceria cheia de bois, descendo desgovernada, e de ré, a ladeira do matadouro.

No ano que vem, o que estará colocado na mesa não será se desejamos ou não chafurdar na barbárie, mas se subsistiremos como país. A definição, portanto, será se nosso voto colocará em primeiro plano o contexto político ou o interesse partidário mais imediato. Calma, eu explico.

Fôssemos um país sério, as lideranças não estariam nesse momento discutindo interesses partidários, que são sempre, como está embutido na palavra, interesses de partes — e no Brasil, sabemos, essas partes se dividem e subdividem e se pulverizam. Fôssemos um país sério, as lideranças estariam nesse momento discutindo interesses políticos — ou seja, interesses dos cidadãos voltados para a sobrevivência da nossa sociedade.

Porque no final do ano que vem — e não precisa ser nenhum astrólogo para prever isso — estaremos em ruínas, tal qual tivéssemos participado de uma guerra. E, historicamente, só há um caminho possível para superar os efeitos devastadores de uma guerra: o entendimento. Para reconstruir o que sobrará do Brasil, depois desta catástrofe chamada “governo Bolsonaro”, haverá necessidade de um esforço conjunto da sociedade — daquela parte que ainda manifesta alguma empatia pelos aspectos civilizatórios, principalmente no que se refere à redução da nossa ignominiosa desigualdade social. E isso só se consegue se forem colocados em segundo plano os interesses meramente partidários. Portanto, necessitaremos de um estadista, à altura do momento histórico, e não de mais um aventureiro.

Para tentar reerguer o país, o próximo presidente da República — estou contando, claro, com aquela máxima de que um raio não cai no mesmo lugar duas vezes — terá de desfazer tudo o que Bolsonaro fez e ainda fará para reduzi-lo a cinzas. Esse esforço só alcançará sucesso se houver colaboração do Congresso que, como sabemos, em geral, mais parece um balcão de negócios do que um órgão legislador. Ou seja, não basta vencer as eleições, o próximo presidente terá que ter condições de administrar o caos. E isso só ocorrerá se a maioria civilizatória estiver alinhada em alguma agenda comum, mínima que seja.

E não adianta, você, que teve a paciência de chegar até aqui, achar que isso poderá ser costurado no segundo turno — é urgente que saiamos, já nos primórdios do processo eleitoral, com um nome e um programa de consenso. Sabe por quê? Para evitarmos um raciocínio, como o do presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, que disse que, numa eventual disputa entre Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele preferia… tomar um tiro… Sim, incrédulo (a) leitor (a), ele falou isso no dia 18 deste mês…

Parece utopia? Pode ser, mas eu me nutro de utopia… Quero poder responder aos meus netos que, ao comemorar os 200 anos de independência do Brasil, mostramos ao mundo que a opção pela barbárie em 2018 foi um acidente de percurso, não uma manifestação de caráter do povo brasileiro.

Luz na escuridão
Ana Luísa Escorel, designer, editora, escritora:

O fastio do diabo foi publicado em 2016 num livro de crônicas — De tudo um pouco — e Zulmira Ribeiro Tavares, que o leu, me aconselhou a desenvolvê-lo transformando-o em romance. Obedeci e estou nisso vai fazer dois anos, agora em junho, com a impressão de que consigo terminar ainda no primeiro semestre. Na verdade, O fastio do diabo era o único texto, em De tudo um pouco, que não era crônica, mas uma historieta escrita sob o triste pressentimento de que o Brasil estava vindo pelo pau abaixo, depois da deposição de Dilma Rousseff. Mal sabia eu que as coisas iriam piorar muitíssimo na linha proposta pela narrativa. Nela, o Diabo anda muito deprimido depois de repetidas evidências de que sua missão essencial está sendo corroída pelas inumeráveis demonstrações de que os homens e as mulheres são muitíssimo mais letais em relação a seu semelhante, ao meio ambiente e a qualquer sistema de pensamento que se proponha dar conta da equação humana sobre a Terra, que ele próprio e seu infindável exército maldito. Nisso, os médicos que o acompanham — três diabões vermelhos, rabudos e peludos — tentam reanimá-lo pensando ter descoberto um antídoto contra a depressão do chefe e, nessa tentativa, se apoia a dinâmica da ação, seu desenvolvimento e fecho que têm, no Brasil, um dos personagens principais. Fazendo uma observação temerária, porque escritores não estão bem situados para opinar sobre os próprios textos, eu diria que O fastio do diabo talvez seja meu livro de escrita mais convencional, curiosamente a serviço de uma maluqueira completa, de uma história sem pé e muito menos cabeça, passada no Inferno entre diabos que ocupam as mais diversas funções, para que a máquina da maldade possa ser tocada com eficiência”.

Parachoque de caminhão
“Quem, de forma leviana, dá um passo que seja para fora da estrada correta é arrastado subitamente a outros caminhos, que o levam para cada vez mais baixo; é em vão que ele vê brilhar no céu as estrelas que o orientam, não lhe resta mais escolha e ele é obrigado assim a prosseguir ininterruptamente abismo abaixo.”
Adelbert von Chamisso (1781-1838)

Antologia pessoal da poesia brasileira
Emílio Moura
(Dores do Indaiá, MG, 1901 – Belo Horizonte, MG, 1971)

Meu coração

Penso agora nos mortos que não têm nome,
nos vivos que não têm nome;
penso agora naqueles que vieram cedo demais e se cansaram,
e naqueles que chegaram depois que todas as portas
[já estavam fechadas.
Penso agora na sede do homem desesperado que se
[deixou ficar no deserto;
penso agora nos que lutaram inutilmente por
[caminhos que não levaram a nada;
nos que se calaram, porque compreenderam,
e nos que disseram todas as palavras e não foram
[compreendidos…
Por que foi que, de repente,
todas as vidas se somaram
para me envolver neste momento?
Meu coração se multiplica:
agora é apenas meu coração que está palpitando no
[mundo.

(Canto da hora amarga, 1936)

Luiz Ruffato

Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, De mim já nem se lembra, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você, Eles eram muitos cavalos, A cidade dorme e O verão tardio, todos lançados pela Companhia das Letras. Suas obras ganharam os prêmios APCA, Jabuti, Machado de Assis e Casa de las Américas, e foram publicadas em quinze países. Em 2016, foi agraciado com o prêmio Hermann Hesse, na Alemanha. O antigo futuro é o seu mais recente romance. Atualmente, vive em Cataguases (MG).

Rascunho