Um incômodo específico

Natalia Timerman: "Me proponho a anotar quase ideias, pedaços de frases, palavras soltas que depois podem acontecer de se juntar."
Natalia Timerman, autora de “Copo vazio”
01/04/2022

Desde criança, quando questionada sobre o que gostaria de ser quando crescesse, Natalia Timerman tinha a resposta na ponta da língua: “Escritora”. A previsão se cumpriu. Além disso, a paulistana se formou médica psiquiatra, é mestre em psicologia e doutoranda em letras pela USP. Estreou com as histórias de Desterros (2017), fruto de seu trabalho no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário de São Paulo. Na sequência, lançou os contos de Rachaduras (2019), finalista do Prêmio Jabuti, e chegou à narrativa de fôlego com o romance Copo vazio (2021).

• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Escritora era minha resposta quando perguntavam à criança que fui o que eu queria ser quando crescesse.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Quando sou fisgada por um livro, tenho dificuldade de me separar dele fisicamente até o terminar. Ando com ele para cima e para baixo, e ele vai ficando sujo, cheio de marcas. Adoro essas marcas.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Ler ficção, estar lendo um bom livro de ficção, é um atalho do meu dia para um lugar desconhecido que no entanto reconheço como minha casa.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
Um livro envenenado, autor desconhecido.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
As circunstâncias ideais para escrever são internas: uma avidez ou necessidade, um incômodo específico, alguma noção, mesmo vaga, de onde quero chegar com a palavra. Quando é assim, escrevo com barulho de filhos ao redor, ou num intervalo qualquer do trabalho, ou de madrugada, em qualquer lugar.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Quando chove lá fora.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Qualquer um em que eu não fique me digladiando com uma página em branco.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
O galope. Soltar as rédeas das palavras e deixar que me levem, que me surpreendam, que me assustem com o que fui capaz de escrever.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
O sucesso. Literatura é silêncio.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
A impossibilidade, hoje, da crítica.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Maria José Ferrada.

• Um livro imprescindível e um descartável.
Todos os livros que não li me parecem imprescindíveis; e todos os livros são também descartáveis, porque são como tijolos, e nenhum tijolo sozinho sustenta uma construção.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A falta de ritmo, de cadência; a exigência excessiva de condescendência do leitor.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Nenhum.

• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
A tela do celular.

• Quando a inspiração não vem…
Me proponho a anotar quase ideias, pedaços de frases, palavras soltas que depois podem acontecer de se juntar.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Rachel Cusk. Me sentiria inevitavelmente uma personagem sua.

• O que é um bom leitor?
Um leitor completamente armado, mas que se permite baixar as armas.

• O que te dá medo?
Que o que eu escreva aconteça.

• O que te faz feliz?
Conseguir escrever. Depois que um texto consegue brotar, me percebo eufórica, todas as coisas da minha vida parecem estar em seus devidos lugares.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Oscilo entre a plena dúvida e a plena certeza quanto à qualidade de algo que escrevi. Esses opostos parecem proceder um tipo de costura, meu olhar que aprecia e meu olhar que rejeita comprimem as palavras na sua verdade.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Não ser abandonada na primeira linha.

• A literatura tem alguma obrigação?
Um livro precisa obedecer às suas próprias regras, e elas inevitavelmente conversam com seu tempo e, com sorte, com o tempo que virá.

• Qual o limite da ficção?
A forma é o limite da ficção.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Eu o levaria à minha biblioteca.

• O que você espera da eternidade?
Espero da eternidade o aperto de angústia e alegria que hoje senti escutando por acaso uma música antiga.

Copo vazio
Natalia Timerman
Todavia
144 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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