Um exercício de liberdade

Alcides Buss: "Um poema terminado dá prazer, mas às vezes um único verso já vale a pena."
Alcides Buss, autor de “A culpa está morta” Foto: Larissa Gandolfi
01/09/2022

O catarinense Alcides Buss é um dos representantes da chamada poesia marginal no Brasil. Ele começou sua trajetória ainda nos anos 1960, publicando de forma independente. Paralelamente à sua premiada obra, atuou na publicação de jornais e livros, como editor. A partir dos anos 1990, dirigiu a Editora da UFSC, mantendo e criando importantes coleções.

Hoje, aos 74 anos, mantém-se um leitor inveterado de jornais, revistas e literatura. Para ele, um bom leitor “faz o livro ser melhor do que é”, já que “as grandes obras nada valem sem as pessoas”. No plano da criação literária, um “único verso já vale a pena” em um dia produtivo de trabalho.

Autor de uma vasta obra, que inclui, além da poesia, versos para crianças, prosa e ensaio, Buss diz que, quando a “inspiração” não vem, “às vezes é preciso insistir”. “Outras vezes, recuar e aguardar o chamado das palavras.”

• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Aos 10 anos desenhava pássaros com lápis de cor. Aos poucos evoluí para tinta, tela e pincel. Depois para as palavras. Foi na leitura que me descobri escritor.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Guardo meus textos por longo tempo depois de escrevê-los. Embora saiba que posso me iludir, somente os publico quando me parecem irretocáveis.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Jornais, revistas e sempre algum livro. Ou mais de um.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
Duvido que fosse ler, mas recomendaria Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Se tiver ideia do que desejo dizer, busco um lugar certo no tempo certo, sem outro compromisso que o de escrever e reescrever.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Um bom livro, boa luz e silêncio, seja num parque, em casa ou no caminho para o trabalho.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Um poema terminado dá prazer, mas às vezes um único verso já vale a pena.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
É encontrar as palavras como se elas me encontrassem. E depois compartilhar com leitores imaginários. Ou reais.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
A ilusão de ser melhor do que os outros.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
A arrogância e o cinismo; especialmente quando associados à má literatura.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
São muitos, em especial quando distantes do eixo Rio-São Paulo. Destaco o catarinense João Paulo Silveira de Souza.

• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: toda a poesia de Fernando Pessoa. Descartáveis: livros de Paulo Coelho.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Uma revisão malfeita.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Qualquer forma de ódio não cabe na poesia. Tampouco a falsidade.

• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
As grandes obras nada valem sem as pessoas. Tirei essa ideia enquanto assistia a uma missa na Catedral de Colônia, na Alemanha.

• Quando a inspiração não vem…
Às vezes é preciso insistir. Outras vezes, recuar e aguardar o chamado das palavras.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Sem dúvida, Clarice Lispector. E também Edla van Steen. Um café a três!

• O que é um bom leitor?
É aquele que, além de saber escolher, faz o livro ser melhor do que é.

• O que te dá medo?
Um erro que faça mal a alguém. Isso é terrível!

• O que te faz feliz?
Entrar numa livraria cheia de gente. Pescar. Depois de uma viagem, voltar pra casa.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
As dúvidas e certezas, de tão naturais, se deixam mover no rumo do acerto que, mais do que inspiração, é trabalho.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
É a de ser verdadeiro e, na escrita, impecável.

• A literatura tem alguma obrigação?
Sem dúvida. Na medida em que se completa nos leitores, deve servir à vida e à sua própria sobrevivência.

• Qual o limite da ficção?
Assim como a poesia, também a ficção é um exercício de liberdade.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Infelizmente, não saberia a quem levar. Mas isso é ficção, não é?

• O que você espera da eternidade?
Bem sei que a eternidade é um sonho. Espero, no entanto, que a vida e a experiência humana encontrem caminhos de permanência.

A culpa está morta
Alcides Buss
Caminho de Dentro
127 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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