Produzindo poesia desde os anos 1980, Claudia Roquette-Pinto tem agora parte importante de sua obra reeditada. A extração dos dias: poesia 1984-2005 traz seus cinco primeiros livros e uma seleta de poemas inéditos, escritos no início de sua produção poética. O livro está previsto para sair em maio.
Nesta edição do Inquérito, Claudia revela um pouco sobre como seus livros nascem. “Tenho mania de escrever com caneta de tinta preta”, diz. “Adoro escrever cedinho pela manhã, ainda na cama (os meus dias são muito ocupados pelas demandas do meu ‘outro trabalho’, o ganha-pão, que nada tem a ver com escrita)”.
Seu refúgio para criação é a Serra da Bocaina, no Rio de Janeiro, onde consegue silêncio e ausência de interrupções, “como as que nos chegam sem parar desta ‘máquina de enlouquecer’”, diz, referindo-se ao celular. Livros de Rosa Montero e Olga Tokarczuk, com reflexões sobre literatura e o fazer literário, foram as leituras que mais a impactaram recentemente.
Carioca, Claudia viveu na Califórnia durante o ano de 1980, onde estudou na San Francisco State University. Graduou-se em tradução literária pela PUC-RJ. Ainda nos anos 1980, editou o jornal Verve, de literatura e artes. Seus poemas foram traduzidos para publicações em inglês, espanhol, francês, alemão e catalão e incluídos em diversas antologias e publicações nacionais e estrangeiras. Longa distância é o título do seu próximo livro de poemas inéditos.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Acho que ainda na minha infância. Talvez com uns 8 ou 9 anos. Embora o principal, naquela época, fosse descobrir e explorar a minha afinidade com as palavras, quase como uma brincadeira, entre tantas, sem muita consciência dessa intenção de “me tornar qualquer coisa”.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Manias: Escrever à mão, em cadernos de tamanho médio, de preferência com espiral. Tenho centenas destes, desde, justamente, a minha adolescência… Tenho mania de escrever com caneta de tinta preta. Adoro escrever cedinho pela manhã, ainda na cama (os meus dias são muito ocupados pelas demandas do meu “outro trabalho”, o ganha-pão, que nada tem a ver com escrita). Obsessões literárias? Ih, são tantas… Mas variam, conforme o momento de vida.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Minha relação com a leitura sempre foi muito intuitiva. De puro prazer, mesmo. Afinal, é dela que me vêm o estímulo e o impulso para escrever. Então, o que se torna imprescindível, para mim, é sempre a leitura do momento presente, aquela pela qual eu esteja apaixonada, que me inspira e me move. Recentemente, li três livros que me tocaram bastante: O perigo de estar lúcida, da Rosa Montero, Escrever é muito perigoso, da Olga Tokarczuk, ambos de reflexões sobre literatura e o fazer literário, e o romance O colibri, do italiano Sandro Veronesi, que ganhei de Natal de um dos meu filhos, o Bruno. E, em poesia, estou lendo as Odes, de Horácio, na brilhante tradução do Guilherme Gontijo Flores, e relendo, no original, poetas do Romantismo inglês, numa coletânea da Dover Thrift.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
O leopardo, de Tomasi di Lampedusa.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Algum silêncio e ausência de interrupções (como as que nos chegam sem parar desta “máquina de enlouquecer”, também conhecida como celular). Muitos livros ao meu redor. Se puder estar próxima da natureza, aí, então, é sopa no mel. Recentemente tive a oportunidade de passar 40 dias no meio da floresta, na Serra da Bocaina, num misto de retiro de escrita com trabalho remoto de escritório. É um local onde a internet só funciona num único ponto e, caso a gente se afaste dali, está a salvo. Neste período, escrevi 19 poemas…
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Não existem. Quando entro num livro fico tão absorvida que sou capaz de ler em qualquer lugar, em qualquer circunstância (salvo no meio de um tiroteio aqui no Rio ou numa rave. Se bem que, se tiver um cantinho tranquilo numa rave…).
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Todos os dias que passo na Serra da Bocaina. E, aqui na cidade, sempre que tenho ao menos 3 horas inteirinhas (sem ter que pegar no celular) entre o acordar (geralmente às 5h, 5h30) e a hora de tomar o café da manhã (por volta de umas 8h), para ler, contemplar a vista da janela e escrever o que me der na telha.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Descobrir coisas sobre mim mesma e sobre a linguagem que eu não tinha percebido antes.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
O ego.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O ego.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
As poetas Simone Brantes, Tatiana Pequeno, Mônica de Aquino e Larissa Lins. Os poetas Renato Rezende, Caio Meira, Fernando Gerheim e Nuno Rau.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindíveis, especialmente para as novas gerações: Odisseia, de Homero, O ABC da literatura, de Ezra Pound, e O arco e a lira, de Octavio Paz. Descartáveis: todos os romances formulaicos (de mistério, crime, fantasia ou amor) que seguem ao pé da letra a estrutura narrativa, os tiques e os truques dos best-sellers norte-americanos.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Quando o/a autor/a é preguiçoso/a. Quando não é sincero/a (e por sinceridade quero dizer correr riscos, abrir mão das estratégias comerciais, estar junto do seu texto). Quando se torna um/a diluidor/a de si mesmo/a.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Nenhum. Tudo o que é humano me interessa.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Eu sou daquelas que considera o mundo um oráculo. Tudo o que se mostra pode se revelar curioso, único, transcendente, matéria de poesia.
• Quando a inspiração não vem…
A gente senta e trabalha. Lê, reescreve, fica em silêncio, parada, olhando pro nada, até alguma coisa se formular. Escrever é um eterno estado de disponibilização.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Ah… Manuel Bandeira. Emily Dickinson. Margaret Atwood. Octavio Paz.
• O que é um bom leitor?
É o mesmo que um bom escritor: é curioso/a, ama a língua e está disponível para o encantamento.
• O que te dá medo?
Quase tudo. Já sofri de síndrome do pânico e às vezes ainda fico bem vulnerável. Mas com isso aprendemos a lidar. O maior medo é não ter propósito na vida.
• O que te faz feliz?
Estar com meus filhos, amigos, família, com as pessoas com quem tenho afinidade. Compartilhar experiências. Quando sinto que colaboro para a transformação da consciência. Poder ficar um bom tempo imersa na natureza. Conversar sobre poesia. Ver as pessoas florescerem fazendo o que gostam e sabem fazer. Nadar. Dançar.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Como costumo dizer, dúvidas são quase tudo o que tenho. E isso é bom. Porque me mantém atenta e me ajuda a não ficar me repetindo.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Acho que não usaria esta palavra, “preocupação”. Prefiro usar “atenção”. Atenção para o que chega fácil, para aquilo que já dominei tecnicamente e que, portanto, pode virar um tique. Atenção, como mencionei acima, para perceber quando estou me repetindo. Atenção para perceber se, em matéria de emoção, o poema está fresco.
• A literatura tem alguma obrigação?
Nenhuma, a não ser dar o melhor de si.
• Qual o limite da ficção?
Limite? Em que sentido?
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Ao Dalai Lama. Porque ele provavelmente não se espantaria nem um pouco com um ET — e, sendo assim, certamente seria acolhedor e inclusivo.
• O que você espera da eternidade?
Sou praticante do budismo. Esta filosofia não abarca a ideia de eternidade, mas, sim, da impermanência de todos os fenômenos. Como já dizia Heráclito, tudo flui.