Sempre o incômodo

Marçal Aquino: "Acho que só tenho uma mania, que é escrever literatura à mão, em cadernos."
Marçal Aquino, autor de “As fomes de setembro”
01/07/2014

Marçal Aquino nasceu em Amparo (SP), em 1958. Cresceu numa fazenda. Começou lendo histórias em quadrinhos, com as quais foi alfabetizado. Se os livros até então o entediava, tudo mudou ao ler Tarzan, de Edgar Rice Burroughs. Fascinado, abandonou os quadrinhos e virou leitor. Sem condições de comprar livros, aos 11 anos descobriu a Biblioteca de Amparo, que contava com cerca de 13 mil exemplares. Tornou-se o dito rato de biblioteca, chegando mesmo a mentir a idade para ter acesso a livros proibidos. Enquanto as crianças jogavam bola, Aquino lia Moby Dick. Já o fascínio pela escrita começou na escola, ao descobrir que podia mentir à vontade nas redações. Graduou-se em jornalismo pela PUC-Campinas, em 1983. Em 1984, publicou de forma independente o livro de poemas A depilação da noiva no dia do casamento. No ano seguinte, mudou-se para São Paulo (SP), onde trabalhou nos jornais Gazeta Esportiva, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Com os livros de contos As fomes de setembro e O amor e outros objetos pontiagudos, faturou respectivamente os prêmios Nestlé e Jabuti de Literatura. Também é autor de Faroestes, Cabeça a prêmio, Miss Danúbio e Famílias terrivelmente felizes. No cinema, em parceria com o diretor Beto Brant, sua obra serviu como matriz para os filmes Os matadores, O invasor e Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (romance publicado na Alemanha e França).

Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Lá pelos 15 anos, quando as histórias em quadrinhos que eu desenhava deixaram de me satisfazer como forma de expressão.

Quais são suas manias e obsessões literárias?
Acho que só tenho uma mania, que é escrever literatura à mão, em cadernos.

Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Poesia. Estou sempre intercalando com a prosa que leio.

Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
Eminência parda, de Aldous Huxley.

Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Silêncio e recolhimento.

Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Recolhimento e silêncio.

O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando consigo colocar no papel alguma ideia que estava me rondando, não importa o tamanho do texto resultante — nesse caso, uma linha é tão boa quanto dez.

O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
O momento da escrita, em si.

Qual o maior inimigo de um escritor?
A preguiça.

O que mais lhe incomoda no meio literário?
Tudo que não é literário.

Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Tércia Montenegro.

Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: Angústia, de Graciliano Ramos. Descartável: qualquer livro que pretenda trazer algum tipo de conforto; literatura deve incomodar.

Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A falta de verdade.

Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Não existe. Qualquer assunto interessa à literatura.

Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
De um minúsculo ideograma que vi tatuado no pulso de uma garota, uma vez, no Metrô. Rendeu um conto que adoro.

Quando a inspiração não vem…
Nunca espere por ela — trabalhe.

Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Luiz Ruffato, com quem está cada vez mais difícil tomar um café.

O que é um bom leitor?
Aquele que lê com a imaginação.

O que te dá medo?
A possibilidade da dor.

O que te faz feliz?
A certeza do efêmero.

Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
Um escritor com certezas é um farsante. Tenho dúvida até sobre que roupa vestir na hora de escrever.

Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Agradar ao leitor que existe em mim.

A literatura tem alguma obrigação?
Só a de ser honesta.

Qual o limite da ficção?
Não creio que a ficção tenha limites.

Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Lourenço Mutarelli.

O que você espera da eternidade?
Que passe bem rápido.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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