Varal de lambaris

A perseguição pelas ruas do bairro ao irmão mais velho acaba se transformando numa aventura inesquecível
Ilustração: Bruno Schier
20/05/2025

Tive a maior aventura de minha vida aos cinco anos de idade. Logo após o almoço, percebi meu irmão, quatro anos mais velho, saindo de fininho rua acima. Com mais uns sete amigos, levavam varas de pescar e algumas sacolas. Assim que passaram da esquina, fui atrás.

Era a primeira vez que eu saía sozinho de casa. Minha mãe estava trabalhando na banca de jornais onde era funcionária. A tia Rosi, que cuidava da gente, lavava a louça na cozinha.

Meu irmão e os amigos iam animados sem olhar para trás. Eu os seguia a cerca de 100 metros, me escondendo em árvores, postes, arbustos e uns poucos carros naquele bairro Uberaba, da Curitiba dos anos 1970.

Me era estranho aquele caminho, que eles pareciam conhecer bem. Por uns 30 minutos, fui descobrindo minha vizinhança. Casas de madeira, muitos cachorros, árvores com frutas. Um bar, dois armazéns, nenhum mercado nem farmácia. Estrada de terra, à espera do asfalto prometido.

Os meninos deixaram a rua e entraram por meio de uma vegetação baixa, até sumirem. Logo descobri a causa. Um tanque de água, varas, sacolas, roupas largadas na beira. Gritavam de alegria enquanto mergulhavam. Soube mais tarde, ali eram as temíveis cavas do rio Iguaçu, areal da região. A cada verão, meia dúzia de adolescentes morriam afogados. Dez anos depois, meu primo Mauro seria um deles.

Cheguei e já ia tirando a camisa quando fui denunciado. Meu irmão saiu da água furioso gritando: “Nem pensar, vamos voltar pra casa agora, piá”.

Desafiei: “Vou contar pra mãe onde você tá”.

Meu irmão pensou bem e não quis correr o risco. Me colocou num cantinho raso e ameaçou: “Se sair daqui, volta pra casa”.

Que maravilha, minha primeira aventura na infância, atravessando o Uberaba sozinho até chegar ao rio. Depois do banho, hora da minhoca no anzol. Mais de uma hora fisgando quase quarenta lambaris.

O que eu não sabia é que o melhor estaria na volta. Paramos no campinho de futebol perto de casa. Uns guris começaram a acender uma fogueira enquanto outros sacavam canivetes para limpar os peixes. Recebi uma missão de meu irmão: “Diz pra tia Rosi que estamos brincando no campinho. Traz meia xícara de sal, um prato e uma garrafa de limonada que deixei na geladeira”. Que emoção, eu agora fazia parte do grupo. Com tarefa importante e tudo mais. Tia Rosi nem deu bola quando passei em casa, na verdade 50 metros quadrados de madeira, chuveiro de latão, água de poço e sem banheiro. Usávamos a “casinha” construída por meu pai no fundo do quintal: um buraco de dois metros cavado no chão e cercado por tábuas.

Quando voltei, o fogo estava alto. Sobre as chamas, um varal de lambaris: uma dúzia de galhos fincados ao redor do fogo. Arames amarrados de lado a outro, todos carregados de peixes pendurados. Lambaris na brasa com limonada foram o ápice do dia.

Aos 19 anos, fui voluntário pro Exército, de onde saí tenente. Morei ilegalmente no estrangeiro por cinco anos, fui repórter em Tóquio por treze meses. Surfei com os nativos em Bali, esquiei com os bacanas em Aspen, escalei o Monte Fuji, subi a Muralha da China.

Mas a maior aventura de minha vida foi aos cinco anos de idade na periferia de Curitiba. Eu era um nada, mas tinha em mim todos os sonhos do mundo.

Paulo Krauss

É jornalista. Autor de Fedato, o estampilla rubra.

Rascunho