Meu último aniversário foi bem ruim. E como amo aniversários, em especial o meu, o fato de ter sido ruim, como de fato foi, o tornou ainda pior.
Os filhos adolescentes e o marido evoluído-desprendido não lembraram do bolo para o parabéns no café da manhã, como em todos os nossos aniversários. Tinham a desculpa de termos chegado da Bahia na véspera, mas ali, cedinho, eu já devia ter sacado. Vai ser ruim, respira que este ano o aniversário não vai ser legal. Que nada. Segui acreditando.
Não ganhei presente nem dos filhos nem do marido. E, sim, não sou evoluída nem desprendida e amo ganhar presente. Nem um desenho, um bombom sonho de valsa, nada. Devem estar me preparando uma surpresa para mais tarde. Não estavam — como eu viria a constatar, ainda que houvesse uma narrativa marital confusa de que estava escolhendo algo muito especial que surgiria num futuro incerto e não sabido.
De tarde meus pais apareceram. Minha mãe trouxe flores que coloquei num vaso de cristal azul, meu preferido. Agora sim, pensei. Agora vai. Sentamos para beber alguma coisa e comer o bolo — delicioso — que eu mesma tinha providenciado. “Você gostou das flores, minha filha?” Eram lindas e eu tinha adorado: um buquê coloridíssimo de flores sortidas. “Sabe que acordei cedo e saí a pé para isso? Andeeei, andeeei, andeeei”, ela contava empolgada, “atrás desse buquê.” Não entendi bem, mas fiquei na minha. Aos sábados há uma feira perto da casa dos meus pais e, nessa feira, pelo menos duas barracas de flor. Mas ela seguiu animada com a nova descoberta. “Pesquisei na internet esse lugar em Botafogo que me pareceu ótimo. Andeeei, andeeei, andeeei até lá.” Estranho. Na Cobal de Botafogo, no início da Voluntários, há pelo menos duas floriculturas conhecidas. “Um lugar enorme, ótimo, gostei muito. Mercado das flores. Fica ali em frente ao São João Batista.”
Fez-se um silêncio. Olhei para o meu pai em busca de uma explicação. Ele tinha se transformado numa estátua. Minha mãe bebericava o espumante felicíssima. “Não são lindas? Estavam lá me esperando. Bati o olho e pimba. Ficaram perfeitas nesse vaso azul.” Não me contive. “Mãe, você comprou essas flores na floricultura do cemitério?!” “(…) É verdade!”, ela respondeu inabalável. “Sabe que não tinha me dado conta? Gostei tanto de lá. Enoooorme, uma variedade imensa.”
Imaginei as coroas prontas e enfileiradas ao lado de um balcão onde um funcionário deprimido preparava as fitas com letras douradas que as envolveriam com mensagens do tipo: “Saudades eternas”.
Acho que se ainda fosse uma menina — fui uma criança de vidro, exausta de tão sensível —, teria sido vencida por lágrimas e soluços que me deixariam sem fala, mas achei divertido ser personagem de uma cena “almodovariana” como aquela. Só faltava traduzir os diálogos para o espanhol madrilenho.
Assim que meus pais saíram, catei as flores pelo caule e coloquei dentro de um saco de lixo azul como o vaso. Fechei com um nó firme e enfiei na lixeira do prédio. No dia seguinte liga minha mãe: “Seu pai e sua irmã me passaram uma descompostura por eu ter comprado as suas flores de aniversário no cemitério. Você jogou fora, né?”.