Poemas de Simone de Andrade Neves

Leia os poemas "Morar no adro", "Depois de sonhar com Paul Klee", "Infância", "Viuvez" e "Casa da Opera"
Simone de Andrade Neves, autora de “Corpos em marcha”
02/11/2020

Morar no adro

I
Os sinos guardam
e aguardam o mundo.

II
Se a vista é para o adro
a janela é oratório.

III
Na beira do sagrado
o mal não convém.

IV
Bola na janela,
menino testa a canela.

V
Se o silêncio é tema da tarde
siriemas passam sem alarde.

VI
Quando o sentir é alvo
o céu expõe as estrelas.

VII
Janela não suspende julgamento
um olho fora, outro dentro.

VIII
No escuro, bem distante do muro,
beijo apaixonado.

IX
O largo é dos cavalos
até o cão perceber.

X
O que dizer ao luar
quando não posso tuas mãos tocar?

XI
Coreto não dobra a letra
para ser correto.

XII
Passar por luz e sombras
consome uma ave-maria.

XIII
Bandeirolas anunciam o dia:
vai ter banda, cavalhada e folia.

……….

Depois de sonhar com Paul Klee

Basta
o pessegueiro de frutos brancos.
E assim que termina a fonte de pedra
um bananal com três cachos contados verdes.
Nos fundos vista para a floresta
E na frente um vale, a pequena cachoeira
na forma da água em fila.

……….

Infância

Dico Sapateiro
fez um cata-vento
e o entregou dizendo:
— corre!

……….

Viuvez

Com as pedras da antiga casa
nova casa construída
no retido do quintal
de jambeiro a limoeiro.

Nalguns dias do ano
enxerga nas jabuticabas
olhos do não mais ser.

……….

Casa da Opera

Tua coroa é lira
pelo vento tocada
E a plateia lira maior
tombada para o palco:
nau imensa.

Ouro Preto, 06/06/2020

Simone de Andrade Neves

Nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1974. Autora de Corpos em marcha (2015), Dor andorinha (2015) e Missa do Envio-Bandeira do Divino (2017).

Rascunho