Poemas de Rodrigo Garcia Lopes

Leia os poemas "Em soneto", "Escrito num hotel", "Laputa" e "3 Improvisos do arizona"
Rodrigo Garcia Lopes, autor de “Estúdio realidade”
01/03/2002

Em soneto

Todos os quartos eram isto e aquilo: mesmo os detetives
Andavam perdidos pelos corredores dos arquivos
Sem sentido. Uau. Um duelo de lírios flutuava, astronauta,
No tumulto dos telefonemas, nos bilhetes do declive

Da tela que dispensa a diferença num segundo. Falta,
E quem cobrava eram pétalas secas num verão e restos
De toques líquidos como um pensamento: pedra.
Perda é mais fácil, o sonho abre portas que ele mesmo fecha

Enquanto a penumbra da tarde luta para superar a planta,
Os mapas rasgados desta noite descontínua, seguindo o ser,
A linha paralela do que eu não disse, o que acabei de esquecer.

Plins nos despertam: uma fuga de Bach. O autor atrás da porta
Pede mais uma cerveja, enquanto se livra num segundo dos espelhos,
Dos livros sobre a mesa, enquanto livra-se de si e me desperta.

Escrito num hotel

O que nos leva a escrever
Se até o tempo, escrita da mente,
Desmente estar ali para entreter
Até o tempo se fechar, até a luz se resumir?

O primeiro gesto que a detona
É o eco da palavra que a devora
Exibindo seu osso e seu recheio
Como vem, de seu impulso dono — ou dona.

É para confundir os registros
Que a luz num quarto se anuncia.
E é para tornar-se ainda mais lúcida
Que a mão, distraída, nos escreve. E pára.

Laputa

Sempre quero ir aonde chego
— ilha aérea de meu desejo —
Nunca o querer é um sossego
E ficar só é sempre nada, nim.

No altar da noite me ajoelho
E penso a última estrela esperta.
Vejo ovnis passando pelos olhos
Como que dizendo “mais, mais perto”.

O pôr-do-sol rugiu sua última nota
Enquanto abrimos outra lata de cerveja.
Sempre uma frase que simplesmente solta-se.
Nunca ninguém chega e diz: veja.

As palavras que se lixem, como querem
se apossar desse império que flutua, sem destino,
E nos deter, assim, enquanto caminhamos? Vida,
como um enigma que quase adivinhamos.

3 Improvisos do arizona

Essa brisa-sonho avulsa de verão: este deserto.
Disto isto, desterro e distância são um.
Se um leão pudesse falar,
nós não o entenderíamos.
O céu não deixa alternativas então: nuvens
são promessas apenas, o desejo de estar perto.
Zoom em flores jamais vistas.
Jasmins lunares.
A História da Lua,
na fumaça do incenso, ida.
Humanas,
Lágrimas viram cinzas.
Dias, páginas vazias.

num lírico vórtice de um quando
captei a ilusão de estar ali.

foi quando vozes entraram em cena
numa peça que você não lembra.

cada palavra, uma sentença.

não lida, sua pele flutua
astronauta do aqui:

grande noite do universo
nos resgate

Rodrigo Garcia Lopes

Nasceu em Londrina (PR), em 1965. Poeta, romancista, tradutor, ensaísta, compositor e jornalista, estreou com Solarium (1994) e publicou, entre outros, O enigma das Ondas (Iluminuras, 2020) e Zona e outros poemas, de Guillaume Apollinaire (Penguin-Companhia, 2024). Em 2019, foi um dos vencedores do Prêmio Biblioteca Nacional (Categoria Ensaio Literário) por seu Roteiro literário —Paulo Leminski (Biblioteca Pública do Paraná, 2018). O romance O trovador (Record, 2014) foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2015.

Rascunho