Poemas de Cathay, de Ezra Pound

Leia os poemas traduzidos "Se despedindo de um amigo", "O lamento do guarda da fronteira", "Mágoa na escadaria adornada", " “A nuvem paralisada” de To-Em-Mei", "Despedida perto de Shoku" e "Uma visão da antiga Choan, por Rosoriu"
Ezra Pound, poeta e crítico literário americano
01/09/2021

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Publicado em 1915, Cathay, um pequeno volume de Ezra Pound (1885-1972) com “traduções” de poemas clássicos chineses, feitas a partir de anotações de Ernest Fenollosa, foi uma das obras mais influentes para o Modernismo literário no século 20.

Taking leave of a friend

Blue mountains to the north of the walls,
White river winding about them;
Here we must make separation
And go out through a thousand miles of dead grass.

Mind like a floating wide cloud.
Sunset like the parting of old acquaintances
Who bow over their clasped hands at a distance.
Our horses neigh to each other
as we are departing.

Se despedindo de um amigo

Montanhas azuladas ao norte das muralhas,
O rio de águas brancas indo, sinuoso, para longe;
É aqui que nos separamos
Para enfrentar milhares de quilômetros de relva seca.

A mente, como uma grande nuvem a flutuar.
O pôr do sol, como a despedida de dois velhos amigos
Que à distância acenam, com as mãos entrelaçadas.
E nossos cavalos relincham um para o outro,
enquanto partimos.

Lament of the frontier guard

By the North Gate, the wind blows full of sand,
Lonely from the beginning of time until now!
Trees fall, the grass goes yellow with autumn.
I climb the towers and towers
to watch out the barbarous land:
Desolate castle, the sky, the wide desert.
There is no wall left to this village.
Bones white with a thousand frosts,
High heaps, covered with trees and grass,
Who brought this to pass?
Who has brought the flaming imperial anger?
Who has brought the army with drums and with kettle-drums?
Barbarous kings.
A gracious spring, turned to blood-ravenous autumn,
A turmoil of wars-men, spread over the middle kingdom,
Three hundred and sixty thousand,
And sorrow, sorrow like rain.
Sorrow to go, and sorrow, sorrow returning,
Desolate, desolate fields,
And no children of warfare upon them,
No longer the men for offence and defense.
Ah, how shall you know the dreary sorrow at the North Gate,
With Rihoku’s name forgotten,
And we guardsmen fed to the tigers.

O lamento do guarda da fronteira

No Portão Norte, trazendo areia, o vento sopra
Solitário, da origem do tempo até hoje!
Árvores perecem, a grama amarelece com o outono.
Torres e torres eu escalo
para vigiar as terras dos bárbaros:
O castelo desolado, o céu, o vasto deserto
Não restou nenhuma parede nesta aldeia.
Esqueletos embranquecidos na geada
Cumes altos, cobertos de árvore e capim.
Quem deixou isso acontecer?
Quem trouxe a flamejante fúria do Império?
Quem trouxe o exército com tambores e timbales?
Os reis bárbaros.
Da doce primavera para um outono de sangue
Uma onda de guerreiros espraia-se pelo reino do meio,
Trezentos e sessenta mil,
E tristeza, tristeza como chuva.
Tristeza ao partir e tristeza, tristeza ao voltar.
Desolados, desolados campos,
Nenhum rebento da guerra neles resta,
Nem mais os homens para atacar ou defender.
Ah, como você poderia saber sobre a sombria tristeza no Portão Norte
Com o nome de Rihoku, hoje esquecido
E nós, sentinelas, alimento de tigres.

The jewel stair’s grievance

The jewelled steps are already quite white with dew,
It is so late that the dew soaks my gauze stockings,
And I let down the crystal curtain
And watch the moon through the clear autumn.

Mágoa na escadaria adornada

Os degraus adornados já estão brancos de orvalho,
É tão tarde que o orvalho deixa molhadas as minhas meias rendadas,
Eu abro a cortina de cristal
E fico olhando a lua através do claro outono.

To-Em-Mei’s “The unmoving cloud”

“Wet springtime,” says To-em-mei,
“Wet spring in the garden.”

I.
The clouds have gathered, and gathered,
and the rain falls and falls,
The eight ply of the heavens
are all folded into one darkness,
And the wide, flat road stretches out.
I stop in my room toward the East, quiet, quiet,
I pat my new cask of wine.
My friends are estranged, or far distant,
I bow my head and stand still.

II.
Rain, rain, and the clouds have gathered,
The eight ply of the heavens are darkness,
The flat land is turned into river.
“Wine, wine, here is wine!”
I drink by my eastern window.
I think of talking and man,
And no boat, no carriage, approaches.

III.
The threes in my east-looking garden
are bursting out with new twigs,
They try to stir new affection,

And men say the sun and moon keep on moving
because they can’t find a soft seat.

The birds flutter to rest in my tree,
and I think I have heard them saying,
“It is not that there are no other men
But we like this fellow the best,
But however we long to speak
He can not know of our sorrow.”

“A nuvem paralisada” de To-Em-Mei

“Tempo úmido primaveril,” diz To-em-mei,
“Primavera úmida no jardim.”

I.
As nuvens se reuniram, e se reuniram,
e a chuva cai e cai,
As oito dobras do firmamento
estão todas guardadas na escuridão,
E a larga e plana estrada se espichando para longe
Eu me detenho em minha sala olhando para o leste, quieto, quieto,
Acaricio meu novo barril de vinho.
Meus amigos se foram, estão muito longe,
Abaixo minha cabeça e não me movo.

II.
Chuva, chuva, e as nuvens se reuniram,
As oito dobras do firmamento são treva,
A planície virou um rio.
“Vinho, vinho, aqui está o vinho!”
Eu bebo sob minha janela que dá para o leste.
Eu penso em conversas, e nenhum homem,
Nem barco, nem carruagem, se aproxima.

III.
As árvores no meu jardim que dá para o leste
estão explodindo em novos ramos,
Tentando despertar novos afetos,

E os homens dizem que o sol e a lua continuam a se mover
porque eles não conseguem encontrar uma poltrona macia.

Pássaros se agitam para descansar em minha árvore,
e eu penso tê-los ouvido dizer que
“Não é que não existam outros homens,
Mas nós gostamos demais deste camarada,
Mas não importa por quanto tempo nós falemos
Ele não consegue entender nossa tristeza.”

Leave-taking near Shoku

“Sanso, King of Shoku, built roads”

They say the roads of Sanso are steep,
Sheer as the mountains.
The walls rise in a man’s face,
Clouds grow out of the hill
at his horse’s bridle.
Sweet trees are on the paved way of the Shin,
Their trunks burst through the paving,
And freshets are bursting their ice
in the midst of Shoku, a proud city.

Men’s fates are already set,
There is no need of asking diviners.

Despedida perto de Shoku

“Sanso, rei de Shoku, constrói estradas”

Dizem que as estradas de Sanso são íngremes,
Verticais como as montanhas.
Os muros se erguem diante de um homem,
Nuvens se erguem sobre a colina
nas rédeas de seu cavalo.
Belas árvores na estrada pavimentada de Shin,
As raízes vão trincando o calçamento,
E as águas descem, quebrando o gelo
no centro de Shoku, orgulhosa cidade.

O destino dos homens já está traçado,
Adivinhos são desnecessários.

Old idea of Choan by Rosoriu

I.
The narrow streets cut into the wide highway at Choan,
Dark oxen, white horses,
drag on the seven coaches with outriders.
The coaches are perfumed wood,
The jewelled chair is held up at the crossway,
Before the royal lodge
a glitter of golden saddles, awaiting the princess,
They eddy before the gate of the barons.
The canopy embroidered with dragons
drinks in and casts back the sun.

Evening comes.
The trappings are bordered with mist.
The hundred cords of mist are spread through
and double the trees,
Night birds, and night women,
spread out their sounds through the
gardens.

II.
Birds with flowery wing, hovering butterflies
crowd over the thousand gates,
Trees that glitter like jade,
terraces tinged with silver,
The seed of a myriad hues,
A net-work of arbours and passages and covered ways,
Double towers, winged roofs,
border the net-work of ways:
A place of felicitous meeting.
Riu’s house stands out on the sky,
with glitter of colour
As Butei of Kan had made the high golden lotus
to gather his dews,
Before it another house which I do not know:
How shall we know all the friends
whom we meet on strange roadways?

Uma visão da antiga Choan, por Rosoriu

I.
Ruas estreitas desembocam na larga estrada de Choan,
Bois escuros, cavalos brancos,
puxam as sete carruagens com seus batedores.
Carruagens de madeira perfumada,
A cadeira adornada é carregada, pelo cruzamento,
Diante do pavilhão real
o brilho das selas douradas, aguardando a princesa,
A agitação diante do portão dos nobres.
Dossel bordado com dragões
sorvendo e refletindo o sol.

Cai a tarde.
E o luxo fica envolto em névoa.
Os cem fios de névoas, se espalhando
e enlaçando as árvores,
Os pássaros noturnos e as mulheres da noite
esparramam seus sons pelos
jardins.

II.
Pássaros de asas floridas, borboletas pairando
em bandos sobre os milhares de portões,
Árvores que cintilam como jade,
Terraços tingidos de prata,
A semente de uma miríade de tons,
Uma rede de pérgolas e passagens e caminhos cobertos
Torres duplas, telhados decorados,
junto a uma rede de passagens:
Um lugar de encontros felizes.
A casa de Riu se sobressai, no céu,
com cores resplandecentes.
Como o Butei de Kan construiu o elevado lotus de ouro
para recolher seu orvalho,
Na frente, uma outra casa, que não conheço:
Como seria possível ver todos os amigos
com quem nos deparamos nos caminhos remotos?

>>> Leia o ensaio O louco incontornável sobre Ezra Pound

André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho