Poemas de Amanda Prado

Leia os poemas "fratura", "azuis" e "vermelho"
Amanda Prado, autora de “Verde vidro”
01/12/2021

fratura

sobreviver ao impulso
breve da casa
às vidraças que pendem
e se multiplicam ao infinito do gesto
ao cemitério subterrâneo
de formigas tristes
às marcas das mãos sobre as paredes
ao peso das patinhas de cachorro
(não existe mais o cachorro)
rasgando ainda o concreto
ao impulso da casa contra os móveis
(os quadros ainda na parede)
contra o chão
(invisíveis)
desmoronando suas vértebras
(um corpo ainda cai)
horizontais
(continua caindo)
ao impulso da casa contra o corpo
(não existe o corpo)
contra os dentes
(mastigando uma rã)
das portas que rangem
(não abrir)
contra o silêncio
da casa
(não existe fim)
que se foi

azuis

azul é a impressão que fica
quando se acumulam intermináveis
camadas de ar

azul o som das cordas
de um instrumento
ainda sem nome

azul a sua voz
silenciosa
rasgando o invisível

azul a concha dos olhos
contra a espessura
da água

azul o avesso
da palavra morte
riscada sobre a pele

azul o esboço
de um suicídio
que ainda não

vermelho

uma pedra se dissolve ao acaso
número zero
grânulo triste
noite estrela espuma

uma pedra se dissolve nuvem
calcário lua chuva
tom de cinza

uma pedra se dissolve seiva
risco cinza
sobre o azul

uma pedra se dissolve inútil
lua barco céu balão

uma pedra se dissolve branco
silêncio de peixe
contra o rio

uma pedra se dissolve
apenas
metálico som de ave

Amanda Prado

Nasceu em Alagoas. É doutora em Estudos Literários e autora dos livros A ilha de Laura (2015), Pedra perdendo seiva (2018) e Verde vidro (2019). Desde 2004, coordena a Oficina de Experimentação Literária – Ofélia.

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