Poemas de Adriano Espínola

Leia os poemas "Fome", "A cebola", "Enlace", "A orquídea" e "O sinal"
Adriano Espínola, poeta, crítico literário, professor e escritor brasileiro Foto: Adriano Filho
01/07/2022

Fome

Quando tiveres fome de madrugada
procura uma folha de papel em branco
e nela sorve em silêncio o nada
que te espanta e consome.

Se porém encontrares outra coisa
ao despontar o dia
(o pão ainda fresco do sonho
a palavra que amadureceu de repente
ou os gomos abertos do sol)

chama-me depressa
pois também tenho fome —
tenho essa mesma fome que não sacia.

A cebola

Cortá-la camada
por camada
até chegar

ao centro.

((Ao bulbo do nada
do eu mais
dentro))

Não chorar.

Enlace

Quem na minha cama
me abraça e me leva
pela madrugada?

O vento que passa
ou o braço de um rio
secreto onde tudo

flui e nada no leito
lasso do momento?
Fecho os olhos e singro

e sinto: sou eu mesmo
que abraço esse abismo
esse abismo dentro.

A orquídea

A Antonio Cícero

Na janela do quarto
andar (debruçada
sobre a rua agitada

de sinais e pressa)
a orquídea pensa
pétalas devagar

na ponta da haste:
arte final & bela.
No alto (no ar)

da cinza cidade
branca floresce
a orquídea-ideia.

O sinal

São Francisco de Assis
ao atravessar a rua
com a multidão

volta-se para o semáforo:
— irmão semáforo
fale-me do homem.

E a luz vermelha acendeu.

Adriano Espinola

Nasceu em Fortaleza (CE), em 1952. Publicou, entre outros, Em trânsito: táxi/ metrô (1996), Beira-sol (1998), Praia provisória (2006) e Escritos ao sol (2015). É professor universitário aposentado e integrante da Academia Carioca de Letras. Vive no Rio de Janeiro (RJ).

Rascunho