Poemas de Luíza Mendes Furia

Leia cinco poemas de "Estilhaços da fala"
Luíza Mendes Furia, autora de “Inventário da solidão”
01/04/2022

Estilhaços da fala

o cisne, a calma
na clave das águas

a clarividência das manhãs
enluaradas

os remansos da fala
entrecortada no branco

da folha de papel
desvirginada

o mergulho das asas
no instante

que em tênues ondas
se propaga

a casa, a alma
de brilhos trespassada

a luz em chamas
se difrata

o ângulo das letras
no espaço-tempo
ilimitado

até o vento
parece suspenso

milissegundos
de silêncio —

nesta pausa
não premeditada

a crosta, a casca
o dia
uma libélula involucrada

o bicho da seda do desejo
as flores nas sementes
preservadas

ocultas
tantas palavras

que não basta a primavera
mas um gesto teu

para que irrompam
das crisálidas

o grão, a grapa
a embriaguez noturna
que adormece
em plagas vastas

o sono, o sonho
por vastidões sem mapas

o súbito redespertar da morte
por onde a consciência passa.

o cão, a caça
a supralucidez acesa
numa praça

a mão imóvel
antes se desata
e traça

o que a memória olvidaria
por fugitiva a graça
oblíqua e rápida

que atravessa os olhos
como um relâmpago
— entre inúmeros —
que se apaga.

Luíza Mendes Furia

Nasceu em 1961, em Caçapava (SP). Aos 16 anos publicou Madrugada e outros poemas (edição da autora). É autora de Inventário da solidão (poemas, 1998), O travesseiro mágico (infantil, 2013), Vênus em escorpião (poemas, 2016) e da tradução de Cemitério marinho, de Paul Valéry (2021). Site: https://malufuria.wordpress.com.

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