Poemas de Olvido García Valdéz

Leia poemas inéditos da espanhola Olvido García Valdéz
A poeta Olvido García Valdéz, ganhadora do Prêmio Nacional de Poesia da Espanha
10/01/2018

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Algunas piedras
se vuelven transparentes
con el sol, casi
transparentes. A veces,
al caminar,
me siento y las miro.
Algunas almacenan luz,
pulidas y cerradas,
como si fueran vivas. Las cojo,
están llenas de tierra
por debajo, tienen un tacto
áspero y fresco.

Algumas pedras
se tornam transparentes
com o sol, quase
transparentes. Às vezes,
ao caminhar,
me sento e as olho.
Algumas armazenam luz,
polidas e fechadas,
como se estivessem vivas. Pego-as,
estão cheias de terra
por baixo, têm uma superfície
áspera e fria.

…..

A Cristina Peñamarin

Sordas y ciegas, hacen música — una lira,
una flauta —. Bellas y calvas. En su
regazo o cerca, diminutas, sus hijas. Sin ojos
orejas ni cabellos. Cuidan del mundo
ni idiotas ni inclementes, viven su afilado
sentir, y crecen las pequeñas; airosas y
gráciles. No lejos, se afanan otras, corren
y vuelan con antorchas y prenden
luces en la noche. Las atentas entretanto
están en su atención, hacen música.

A Cristina Peñamarin

Surdas e cegas, fazem música — uma lira,
uma flauta —. Belas e calvas. Em seus
colos ou por perto, pequeninas, suas filhas. Sem olhos
orelhas nem cabelos. Cuidam do mundo
nem idiotas nem inclementes, vivem seu
sentir afiado, e crescem as pequenas; airosas
e delicadas. Não muito longe, outras se esforçam, correm
e voam com tochas e acendem
luzes na noite. As atentas, entretanto
olham-nas, fazem música.

…..

Olivos extraídos de cuajo
taladas las ramas y viajeros;
al adelantarlos miro
la tierra que conservan como parte
de sí, tierra roja, densa y entreverada
de guijarros; muy blanca la sección
de ramas y raíces, algo
irreal la simetria, impropia
de ancianos nudosos. Retengo
el coche em paralelo. Indiferencia
o naturaleza, color de la sangre.

Oliveiras arrancadas com as raízes
galhos cortados e espalhados;
ao passar por eles olho
a terra que conservam como parte
de si, terra vermelha, densa e misturada
a seixos; muito branca a parte
de galhos e raízes, um tanto
irreal a simetria, imprópria
a anciãos nodosos. Mantenho
o carro ao lado. Indiferença
ou natureza, cor de sangue.

…..

En la salida de la M-40, dirección A-6,
en los desmontes entre la autopista
y el acceso — tierra de nadie —,
un pequeño huerto cultivado.
Al lado del chamizo
arranca malas hierbas. Pide
a la tierra la vida, quizá setenta años,
ruega a Perséfone. Casa y huerto. Sentir
el sol. El túnel enseguida húmedo y largo.

Na saída da M-40, em direção à A-6,
nos descampados entre a autopista
e o acesso — terra de ninguém —,
uma pequena horta cultivada.
Ao lado do barraco
arranca o mato. Pede
vida à terra, talvez setenta anos,
roga a Perséfone. Casa e horta. Sentir
o sol. Logo em seguida o túnel, úmido e comprido.

…..

Regaba el jardín, dos plantas
recién plantadas que convenía
encharcar. Junto a ellas
antes de comenzar el riego
yacía un cuerpo de hombre
vestido para ir al trabajo; entre
las hierbas yacía, pero no estaba
al regar, tampoco su ausencia
estaba (son ciertas presencias
transparentes).
Después todo
cambió. Fue jardín el jardín
las plantas sólo plantas, el hombre
se incorporó y se volvió
la respiración leve, ligera.

Regava o jardim, duas plantas
recém-plantadas que convinha
encharcar. Junto a elas
antes de começar a rega
jazia um corpo de homem
vestido para ir ao trabalho; em meio
ao capim jazia, mas não estava
para regar, tampouco sua ausência
estava (são certas presenças
transparentes).
Depois tudo
mudou. Era jardim o jardim
as plantas apenas plantas, o homem
se levantou e retornou
a respiração leve, ligeira.

…..

Otro país, otro paisaje,
otra ciudad.
Un lugar desconocido
y un cuerpo desconocido,
tu propio cuerpo, extraño
camino que conduce
directamente al miedo.
El cuerpo como otro,
y otro paisaje, otra ciudad;
atardecer ante las piedras
más dulcemente hermosas
que has visto,
piedras de miel como luz.

Outro país, outra paisagem,
outra cidade.
Um lugar desconhecido
e um corpo desconhecido,
teu próprio corpo, estranho
caminho que conduz
diretamente ao medo.
O corpo como outro,
e outra paisagem, outra cidade;
entardecer junto às pedras
mais docemente formosas
que já viste,
pedras de mel como luz.

…..

El viento era acre,
arenosa, la luz, fronteriza.
Tantas cosas allí,
el viejo monasterio o el interior
de las habitaciones — gusanos o pintura —
y la mujer que avanzaba
hasta la barra del bar
seguida de tres muchachos
— sólo pactando es posible
tener un asidero —.
Pero había también
los pinos y eucaliptus de la vuelta,
la inspiración honda
al cruzar las montañas.

O vento era acre,
arenosa, a luz, fronteiriça.
Tantas coisas lá,
o velho monastério ou o interior
das habitações — vermes ou pintura —
e a mulher que avançava
até o balcão do bar
seguida por três rapazes
— somente concordando é possível
ter um apoio —.
Mas havia também
os pinheiros e os eucaliptos da volta,
a funda inspiração
ao cruzar as montanhas.

…..

Mujeres con una única
filosofía enunciable: lo que no mata
engorda, todo aprovecha, también
con una única y especialmente severa
norma de conducta:
pon
atención, la máxima
atención en no enterarte
de nada, más aún si pudiera
ir a hacerte sufrir. Llegan
a viejas, generalmente acaban
contando ellas la historia.

Mulheres com uma única
filosofia enunciável: o que não mata
engorda, tudo se aproveita, também
com uma única e especialmente severa
norma de conduta:
tenha
cuidado, o maior
cuidado para não saber
nada, ainda mais se isso puder
lhe causar sofrimento. Chegam
à velhice, e geralmente são elas
que acabam por contar a história.

…..

Traspasa el frío, cae
la oscuridad sobre la calle, flores
brotan recién abiertas.
Traspasa y une cielo
y calle el frío y eres tú; así
en los campos, en su verde cubierto
de nubes, los miraba
extendidos, limitados
por el cielo y eras tú, silencio
y frío animal.

Trespassa o frio, cai
a escuridão sobre a rua, flores
brotam recém-abertas.
Trespassa e une céu
e rua o frio e és tu; assim
nos campos, em seu verde coberto
de nuvens, olhava-os
espalhados, limitados
pelo céu e eras tu, silêncio
e frio animal.

Olvido García Valdéz (1950)
É um dos grandes nomes da poesia espanhola atual. Era uma das poetas contemporâneas preferidas de Roberto Bolaño. Seus poemas nunca têm título, e às vezes chegam a parecer um fragmento de prosa do qual foram subtraídos início, fim e gênero do personagem. Olvido recebeu, em 2007, o Prêmio Nacional de Poesia da Espanha.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho