Ada Limón

Leia os poemas traduzidos "Rugido", "Quase quarenta", "O sonho do corvo", "Como quase todos os sonhos são" e "Fim de verão depois de um ataque de pânico"
Ilustrações: FP Rodrigues
01/04/2025

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Bellow

Tell the range and all that’s howling,
the flickers of life beyond the weeds,
the vulture’s furrowed brow of flight,
the blasted sticky Canadian lawn thistle;
tell the clowned-out clouds and the rain,
and all that makes you go quiet again,
tell them that you didn’t come here
to make a fuss, or break, or growl, or
scream; tell them—crazy sky and stars
between—tell them you didn’t come
to disturb the night air and throw a fit,
then get down in the dark and do it.

Rugido

Diga ao horizonte e a tudo o que uiva,
aos lampejos de vida além das ervas daninhas,
à testa franzida do abutre em seu voo,
ao cardo das vinhas pegajoso e indesejado;
diga às nuvens estúpidas e à chuva,
e a tudo o que o faz voltar a se calar,
diga a eles que você não veio até aqui
para bagunçar, ou quebrar, ou rosnar, ou
gritar; diga a eles — louco céu e estrelas
no meio — diga a eles que você não veio
para perturbar o ar da noite e fazer birra,
então desça na treva e faça isso.

Almost Forty

The birds were being so bizarre today,
we stood static and listened to them insane

in their winter shock of sweet gum and ash.
We swallow what we won’t say: Maybe

it’s a warning. Maybe they’re screaming
for us to take cover. Inside, your father

seems angry, and the soup’s grown cold
on the stove. I’ve never been someone

to wish for too much, but now I say,
I want to live a long time. You look up

from your work and nod. Yes, but
in good health. We turn up the stove

again and eat what we’ve made together,
each bite an ordinary weapon we wield

against the shrinking of mouths.

Quase quarenta

Os pássaros estavam bizarros hoje,
ficamos parados ouvindo-os, loucos

na eletricidade estática entre o carvalho e o freixo.
Engolimos o que não diremos: Talvez

seja um aviso. Talvez eles estejam berrando
para nos protegermos. Lá dentro, seu pai

parece estar bravo, e a sopa esfriou
no fogão. Eu nunca fui alguém

que pedisse muito, mas agora eu digo
que quero viver por muito tempo. Você levanta os olhos

do seu trabalho e concorda. Sim, mas
com boa saúde. Acendemos o fogão

novamente e comemos o que preparamos juntos,
cada mordida uma singela arma que empunhamos

contra o encolhimento das bocas.

Dream of the raven

When the ten-speed,
lightweight bicycle broke
down off the highway
lined thick with orange
trees, I noticed a giant
raven’s head protruding
from the waxy leaves. The
bird was stuck somehow,
mangled in the branches,
crying out. Wide-eyed, I
held the bird’s face close to
mine. Beak to nose. Dark
brown iris to dark brown
iris. Feather to feather.
This was not the
Chihuahuan raven or the
fantailed raven or the
common raven. Nothing
was common about the way
we stared at one
another while a stranger
untangled the bird’s claws
from the tree’s limbs and
he, finally free, became a
naked child swinging in
the wind.

O sonho do corvo

Quando a bicicleta
de dez marchas quebrou
na autoestrada
margeada por pés
de laranja, eu avistei uma enorme
cabeça de corvo saindo
das folhas pálidas. O
pássaro estava preso,
enroscado nos galhos,
gritando. De olhos arregalados,
encostei o rosto do pássaro no
meu. Bico no nariz. Íris
marrom com íris
marrom. Pena com pena.
Aquele não era o
corvo de Chihuahua ou o
corvo de cauda curta ou o
corvo comum. Nada
havia de comum na maneira como
olhamos um para o outro enquanto um estranho
desembaraçava as garras do pássaro
dos galhos da árvore e
ele, finalmente livre, virou uma
criança nua balançando
ao vento.

How most of the dreams go

First, it’s a fawn dog, and then
it’s a baby. I’m helping him

to swim in a thermal pool,
the water is black as coffee,

the cement edges are steep
so to sink would be easy

and final. I ask the dog
(that is also the child),
Is it okay that I want
you to be my best friend?

And the child nods.
(And the dog nods.)

Sometimes, he drowns.
Sometimes, we drown together.

Como quase todos os sonhos são

Primeiro, é um cão caramelo, e logo
é um bebê. Eu o estou ajudando

a nadar numa piscina quente,
de água preta como café,

com bordas do cimento íngremes
de modo que afundar seria fácil

e fatal. Eu pergunto ao cachorro
(que é também a criança),
Tudo bem eu querer
que você seja meu melhor amigo?

E a criança assente.
(E o cachorro assente.)

Às vezes ele se afoga.
Às vezes nos afogamos juntos.

Late summer after a panick attack

I can’t undress from the pressure of leaves,
the lobed edges leaning toward the window
like an unwanted male gaze on the backside,
(they wish to bless and bless and hush).
What if I want to go devil instead? Bow
down to the madness that makes me. Drone
of the neighbor’s mowing, a red mailbox flag
erected, a dog bark from three houses over,
and this is what a day is. Beetle on the wainscoting,
dead branch breaking, but not breaking, stones
from the sea next to stones from the river,
unanswered messages like ghosts in the throat,
a siren whining high toward town repeating
that the emergency is not here, repeating
that this loud silence is only where you live.

Fim de verão depois de um ataque de pânico

Não consigo me despir da pressão das folhas
sextavadas inclinadas para a janela
como um olhar masculino indesejado sobre as costas,
(eles desejam abençoar, abençoar e silenciar).
E se eu quiser me endiabrar? Curvar-me
até a loucura que me gerou. Zumbido
do vizinho cortando grama, caixa de correio vermelha
cheia, cachorro latindo três casas para lá,
e é isso que é um dia. Besouro no batente,
Galho morto quebrando, mas não quebrando, seixos
do mar junto a seixos do rio,
mensagens não respondidas como fantasmas na garganta,
uma sirene zumbindo alto em direção à cidade repetindo
que a emergência não está aqui, repetindo
que esse silêncio barulhento está apenas onde você mora.

Ada Limón
Nasceu na Califórnia (Estados Unidos), em 1976, de família mexicana. É autora de sete livros de poesia. Ganhou diversos prêmios e foi Poeta Laureada do Congresso norte-americano em 2022.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhasCemitérios, Exílio, entre outros.

Rascunho