Dores e frustrações

Entrevista com Karine Asth, que venceu o prêmio Jabuti, na categoria romance de entretenimento, com "Dentro do nosso silêncio"
Karine Asth, autora de “Dentro do nosso silêncio”
01/02/2024

Karine Asth estreou na literatura com o romance Dentro do nosso silêncio. E logo de cara venceu o prêmio Jabuti 2023, na categoria romance de entretenimento. Nascida em Nova Friburgo, região serrana do Rio de Janeiro, mora há 17 anos no Recife. Desde 2018, após o nascimento do filho e de ter deixado o trabalho na empresa familiar, dedica-se integralmente à literatura.

Asth é uma das tantas escritoras que passaram pela oficina de Luiz Antonio de Assis Brasil, que alerta que “estamos perante uma obra literária madura em todos os sentidos e que merece esse título, fazendo prever uma carreira que, por iniciar tão bem, alcançará o merecido êxito perante a crítica e o público”.

Nesta entrevista ao Rascunho, Karine Asth comenta sobre seu romance de estreia, o prêmio Jabuti, a importância das oficinas de escrita criativa, entre outros assuntos.

• Dentro do nosso silêncio é seu livro de estreia e narra a trajetória de um casal que sente a transformação do cotidiano enquanto tentam ter um filho, algo que também fez parte da sua vida. Quais foram os impactos de escrever este romance?
Escrever esse livro transformou a minha vida. Ele em si representa uma grande mudança pra mim. Até então eu trabalhava na empresa da minha mãe porque parecia o certo. Eu sempre tive muito gosto pela escrita, mas em nenhum momento pensei em fazer um curso relacionado a isso. Na época do vestibular, tomei a decisão que me pareceu mais objetiva, mais racional. E me formei em Administração pela UFPE. A partir do momento em que deixei a empresa para me dedicar à escrita, nos primeiros meses — ou posso dizer até anos — eu vivia um misto de euforia e insegurança. Muitas vezes me questionava “o que eu estou fazendo?”. Eu não conseguia me autodenominar como escritora. Pensava muito sobre onde é que isso iria dar, se iria se tornar uma carreira algum dia. Enfim, concluir esse livro foi o primeiro passo para acreditar que eu estava no caminho certo, fazendo aquilo que realmente me dava prazer, fazendo o que eu devia estar fazendo.

• Você acredita que a escolha do tema — um casal tentando ter um filho — foi preponderante para o sucesso do romance?
Confesso que não havia feito essa conexão. Mas acredito que pode ser sim. Mais pelo tema do que pelo ineditismo. Temos hoje um vasto número de obras que traz a maternidade em todas as suas formas. No caso do meu livro, eu trago a frustração da não maternidade, um tema de muita sensibilidade para os casais tentantes.

• Dentro do nosso silêncio pode ser o tipo de literatura para conectar a história com leitores e leitoras que vivem a brutalidade de suas tragédias íntimas na tentativa de terem filhos?
Hoje eu vejo que sim. Depois de publicar o livro, percebi que a história desperta em muitas mulheres o sentimento de identificação. Não que o processo de tentar engravidar seja igual ao da Ana para todas. Mas as dores e frustrações estão presentes em diferentes tons e intensidades no interior de cada uma dessas mulheres. E isso é muito forte. Principalmente nesses casos, onde se vive, na maior parte das vezes, um processo silencioso. Pensando em mim agora, eu gostaria de ter lido algo como o meu texto na época em que tentava engravidar. Eu só enxergava todas as pessoas próximas que engravidavam e sentia que era a única que não conseguia alcançar o beta positivo.

• Você passou por dramas semelhantes aos da personagem principal. Quanto do livro é autobiográfico?
A história da Ana não é a minha. Eu apenas emprestei minhas dores e frustrações a ela. Algumas situações pelas quais ela passa, eu também vivi. A expectativa da família, as cobranças nos encontros de finais de semana. E tenho que admitir, o egoísmo dela teve base no meu próprio. Todo o resto é pura ficção, claro, baseada na realidade de muitas mulheres.

• Dentro do nosso silêncio foi rascunhado e lapidado até chegar à sua forma final a partir de oficinas de escrita. Qual a importância desses cursos na sua carreira literária?
Tenho certeza de que sem as oficinas, meu livro não teria a forma que tem hoje. Digo isso porque sei como meu texto mudou ao longo do tempo, conforme fui implementando todos os conhecimentos adquiridos durante as aulas. Quando eu era mais nova, tinha essa ideia de que para ser escritor era preciso ter talento e só. Mas hoje entendo que vai muito além disso. O texto literário se destaca pela beleza das palavras escolhidas junto às técnicas aprendidas. É uma combinação das duas coisas. Acredito que quanto mais tempo nos debruçarmos sobre nosso texto, maior qualidade ele vai ter.

• Qual foi o impacto de vencer o prêmio Jabuti?
Confesso que ainda estou absorvendo o prêmio. Ler “Karine Asth, escritora premiada” soa estranho pra mim. Coloquei o meu Jabuti na prateleira bem ao lado da mesa onde escrevo para, de quando em quando, poder olhar e lembrar que é verdade, aconteceu mesmo. O que posso garantir é que a felicidade é enorme e vai ser por muito tempo. Ao mesmo tempo, não esqueço que esse é o meu trabalho e por isso não posso parar de escrever.

• Você comentou que Carol Bensimon é uma de suas grandes referências. Quais principais pontos de inspiração você tira a partir da leitura dos livros dela? Como você lida com a possibilidade de se tornar referência a outros autores?
Sim, a escrita da Carol é uma grande fonte de inspiração pra mim. Não tenho pontos específicos que tiro a partir dos livros dela. Quando estou escrevendo e estou em dúvida de como fazer um diálogo ou descrever uma cena, por exemplo, recorro a algum de seus livros. Geralmente, costumo lembrar algum trecho que possa me inspirar. Quanto à segunda pergunta, eu não tinha parado para pensar nisso. De toda forma, espero que possam abstrair da minha experiência a necessidade de se dedicar e de ter paciência quanto à publicação. Muitas vezes, o escritor iniciante tem uma grande ansiedade por publicar e depois se arrepende por não ter gastado mais tempo na lapidação, o que faz toda a diferença.

• Sua presença em redes sociais começou a aumentar a partir da premiação. Qual o espaço da literatura na mundo digital?
Assim que publiquei o meu livro, comecei a buscar informação sobre como torná-lo conhecido. E percebi que houve uma mudança grande no papel do escritor na divulgação da própria obra. Antigamente, o autor mal aparecia. Era mais um movimento da editora direto com as livrarias. Hoje, tudo mudou. É necessário que o escritor não só apareça em suas redes sociais como seja bastante ativo nesse trabalho. Por tudo isso, comecei a seguir esse movimento e, atualmente, meu perfil no instagram é um espaço dedicado a falar do meu livro e da escrita em si. E claro, o prêmio teve uma grande influência no aumento de interações diretas comigo.

• Que dica daria a um escritor iniciante?
É imprescindível ser um bom leitor. Consumir literatura contemporânea e clássica. Muito se aprende lendo. E não é uma questão de aprender técnicas, é mais um desenvolvimento de sensibilidade, de distinguir estilos diferentes. Nossa visão muda conforme vamos ampliando nosso horizonte de leituras. Acho muito importante também procurar por oficinas de qualidade. E hoje temos muitas. Esse contato com outras pessoas que escrevem é essencial. Ouvir outros trabalhos e ao mesmo tempo mostrar o seu. É maravilhoso ter esse espaço. E mais importante de tudo, sentar e escrever. Tentar criar uma rotina de escrita, descobrir em qual horário você é mais produtivo, e não passar muito tempo sem escrever. O trabalho do escritor traz uma incógnita. Passamos meses ou anos trabalhando em um projeto sem a menor ideia de quantos irão nos ler. E muitas vezes encontramos poucos leitores mesmo. Não há garantias quanto a isso. Mas eu acredito que, enquanto escrevemos, porque nada nos deixa mais realizados do que a escrita, devemos persistir. Talvez não tenhamos reconhecimento nos primeiros trabalhos, ou talvez demore até que o livro seja lido por muitos. Dou aqui o exemplo da Carla Madeira, que lançou Tudo é rio em 2014 e foi uma explosão só em 2021. Enfim, é uma profissão que exige muita disciplina e persistência.

• Como é sua rotina de escrita e sua dedicação como aluna em oficinas?
Minha rotina mudou várias vezes desde que comecei a escrever. No início, eu conseguia produzir todos os dias (exceto, nos finais de semana, quando fico com a família). Passava entre quatro e cinco horas escrevendo. Com a pandemia, tinha dias em que eu conseguia escrever, outros não. No ano passado, passei por um tratamento e uma gravidez. Nesse ano, minha filha nasceu. Tudo isso diminuiu bastante minha produtividade. No entanto, no próximo ano pretendo voltar mais focada. O projeto do segundo livro está aí e quero me dedicar ao máximo a ele.

Dentro do nosso silêncio
Karine Asth
Bestiário
200 págs.
Giovanni Nobile

É jornalista e escritor.

Rascunho