Sobre ser claro

Um certo cansaço de ter de explicar muitas vezes que uma livraria é um lugar que vende livros
Ilustração: Eduardo Mussi
12/04/2025

Quando vejo um açougue, vejo os nacos de carne pendurados, banhados pela luz branca, quase não penso, nem leio o letreiro. Só reparo no letreiro quando vou ao Rio ou a Portugal, por achar interessante se chamar por lá “Talho”. Divirto-me com os nomes em outras regiões e sempre os comparo. Mas a curiosidade das mudanças dos nomes nunca se abate sobre a natureza do lugar, os talhos vendem carne de vaca e de outros bichos, não me parece isso ser uma questão.

Com livros é diferente. Apresentarei aqui uma breve passagem para pensarmos juntos. Tem acontecido muitas vezes de o visitante entrar na nossa livraria e perguntar se somos um “sebo”. Vocês sabem: os sebos são os espaços de venda de livros usados, de segunda mão, que adoro conhecer, visitar, mas não é o meu ofício. É um mundo distinto, diferente das livrarias de novos, é um mundo muito diferente e também tem o seu encanto e tem o meu respeito. É bonito pensar num lugar em que os livros, além de conter suas histórias, contêm histórias dos seus primeiros donos — os livros guardam aventuras em suas vidas nas mãos de outros leitores.

Pensando sobre essa dúvida dos visitantes, talvez o nosso ambiente clássico, que remete à art nouveau, aos anos 1920, que lembra livrarias portenhas, cariocas ou francesas, talvez esse ambiente meio vintage faça os visitantes pensarem que não somos uma livraria de novos. Também me ocorre que simplesmente o desejo de encontrar um sebo faça o visitante perguntar mesmo achando em seu íntimo que ali não é o que ele vê, ele quer que se materialize na sua frente o seu desejo. E também pode ser alguém distraído mesmo, que não percebe detalhes ou que não reparou na lousa cavalete que coloquei na entrada da Realejo com as dúvidas frequentes. Sim, criamos um cavalete um tanto divertido que traz informações aos leitores. São elas: Não somos sebo; sim, somos uma livraria: não somos copiadora: sim, somos uma editora; não somos a CET (Companhia de engenharia de tráfego) e por aí vai… Quando os visitantes reparam na lousa, alguns se divertem, outros postam em suas redes e assim tocamos a nossa vida entre livros.

Foi por meio de uma mensagem via whatsapp da livraria, uma moça jovem pergunta de forma leve se podíamos tirar uma dúvida. Ela nunca havia nos visitado e por isso a questão: se ali se podia ler sentado às cadeiras ou se podia pegar livros emprestados ou até mesmo alugar os livros. Achei bonitinho por um átimo de segundo para depois me bater um certo cansaço por ter que explicar quem somos de maneira frequente. Expliquei que somos uma livraria clássica, que, portanto, vendemos livros e que se pode visitar e examinar as obras, mas com intenção de adquirir as mesmas e terminei dizendo que somos livreiros, que atendemos sempre os leitores com cuidado, mas não somos uma biblioteca. Digitei e esperei a resposta que veio rápida e aguda. A figura utilizou siglas — a primeira era “vtmnc” seu grosso, só perguntei porque não ficou claro para mim e depois soltou mais palavrões que prefiro poupar o paciente leitor ou a paciente leitora. Arregalei os olhos, contei até dez e respondi com calma e alguma ironia, afinal se puder me divertir por que não? Escrevi para ela respirar e tomar um chá e que se no futuro ela estiver ainda com curiosidade, poderia nos conhecer e… bem, ela me bloqueou, a mensagem não chegou até ela, foi como se batesse a porta na minha cara.

Pensando ainda sobre o diálogo, é interessante tentar entender o porquê das confusões, das dúvidas sobre algo secular como são as livrarias. Será que essa pessoa tem hábito de ler livros? Será que as invenções e junções de negócios como barbearia com mesa de sinuca e cerveja e guitarras pros clientes se divertirem, essas ideias tiraram o recado dos lugares? Sem dúvida o trabalho nunca termina e seguiremos mostrando o que fazemos, tentando sermos claros na proposta, lembrando que também agregamos na nossa livraria um bar/café, que temos shows musicais e que recebemos com criatividade os leitores, mas sempre sem esquecer a missão que nos trouxe até aqui, a missão de vender livros.

Vou tomar um chá, obrigado pela preferência, voltem sempre.

José Luiz Tahan

É livreiro, editor e idealizador do festival Tarrafa Literária. Autor da antologia de crônicas Um intrépido livreiro nos trópicos (Vento Leste).

Rascunho