Começo a escrever estas linhas cheio de cuidado, não quero parecer um requerente sem base, um lamurioso livreiro gritando só em direção ao mar, sendo ignorado solenemente pelo próprio oceano. Mas enfrentemos. Este é um texto sobre injustiças. Vamos a elas, ou à principal delas, que puxa as outras como uma corrente marítima que joga o banhista para lugares perigosos.
Todos sabemos que aos pequenos ou aos iniciantes, os desafios que se apresentam na jornada são mais difíceis — o pouco capital, quase nenhum conhecimento do mercado em que se inicia são freios ao caminho mais seguro. E num futuro, com algum otimismo, as picadas abertas na mata ficam mais amistosas, os espinhos são previstos e, se tudo se encaixar, seguimos sem tantos percalços. Isso deve valer para a maioria das carreiras, seja você um médico, um jornalista ou um livreiro. Se você é um herdeiro, terá parte dos desafios suavizados, mas não se engane, o dinheiro é necessário, mas a estratégia e o conhecimento fazem a diferença, ô se fazem. Uma vez li um livro de um autor argentino, mas que mora no Brasil, o Facundo Guerra, cujo é título Empreendedorismo para subversivos. Eu iria entrevistar o Facundo para um evento e li o livro com interesse. Ao final, achei o título mais forte do que o conteúdo, mas mesmo assim gostei da obra e me lembro do que ele falou durante o bate-papo, quando comentou sobre o que é mais importante a um empreendedor. Sem hesitar, disse: é a reputação. Com ela, você move montanhas. O dinheiro pode ser gasto rapidamente, se não tiver cabeça, ou se não souber bem o que está fazendo.
Quando comecei, há mais de trinta anos, eu era um poço de ímpeto com bem pouco capital. Rapidamente, fui absorvendo conteúdo, conhecimento e, sem imaginar, abandonei a faculdade para ingressar como um empreendedor da cultura. Eu tinha 20 anos.
Durante todos estes anos, acumulei relacionamentos com leitores e autores e, claro, com colegas do mercado editorial. Tive alguns tombos muito graves, ou, para buscar as metáforas do mar, tive alguns “caldos”, afogamentos que quase me tiraram do mercado, mas como diria Marcelo Rubens Paiva, Ainda estou aqui. Sigo de olho nos erros e com curiosidade para entender e aprender sempre.
Mesmo despois de tantos anos, apesar de hoje ter experiência e alguma reputação (penso que sim!), um pequeno livreiro é convidado a continuar sendo pequeno, não há gentileza no cenário. De uns anos para cá, a coisa se intensificou, quando as editoras e distribuidoras começaram a se comportar como bancos, como instituições financeiras, em vez de pensar como o que são em sua concepção original. Elas têm cálculos de chegada e não sei se buscam ou têm acesso a informações bancárias ou se falam para chegarem a um limite em valores, como se fosse um cheque especial que se aplica a cada cliente.
E até hoje quando faço um pedido e resolvo arriscar utilizando as minhas técnicas de comprador, de um livreiro experiente, sou travado na compra. Sou interrompido no meio de um pedido por um sistema que manda no meu limite de vendas, que me confina a ser pequeno por mais tempo. Talvez para sempre. Já que se não peço mais, também não vendo mais, deixando-me num patamar que atende à sua lógica fria e que me amarra.
O melhor, isso acontece inclusive quando estamos completamente em dia com nossos compromissos, sem dever nada. É curioso pensar com a cabeça deles — eu imagino os donos das editoras e distribuidoras decidindo: aquela livraria não deve ter mais volume de compra, vai que ela paga? Daí, ela poderia crescer? Sim, mas é melhor garantir nesse mesmo crédito, mais seguro pra gente. Deixem eles desse tamanho mesmo.
Acho que esse assunto me aborrece, mas achei bom dividir com você, paciente leitor, os desafios dos pequenos.
Quem sabe um de vocês, leitores, seja do mercado editorial? Quem sabe você, leitor do mercado, me desminta. Estou aqui esperando, vou adorar ser questionado sobre os fatos aqui divididos com vocês.
E olha que sou pequeno, mas existem muitos menores do que eu.
Pra fechar a página do livreiro que resmunga, como já devo ter brincado com o nome daquele programa: “Pequenas empresas, pequenos negócios!”.