A rotina numa livraria é a de se esperar encontrar com leitores, seus pedidos. E as minhas histórias nascem desses breves encontros, muitas vezes com leitores ou leitoras sem nome, sem rosto, mas que de alguma forma marcam esse livreiro. Com essa marca, esse causo, me nutrem para trazer aqui o breve encontro, por vezes de menos de dois minutos, por vezes menos que isso.
E, dessa forma, sem aviso, uma leitora me pede o livro O que Buda nos ensinou, de Walpola Rahula, publicado há tempos sobre as bases da religião e cultura Budista.
No mesmo instante do pedido, refleti sobre o título do livro — o que me vem primeiro é a relação com a serenidade, o domínio da mente e de esvaziá-la, o autocontrole, a calma.
Me lembrei de um pequeno vídeo a que assisti em redes sociais sobre as alterações da nossa massa encefálica, alterações ativadas exatamente por nos acostumarmos a ver esses vídeos curtos com estímulos rápidos que mudam a nossa percepção, nos condicionam cada vez mais à aceleração.
E no segundo seguinte, viajo para alguns anos atrás quando recebi o neurocientista Miguel Nicolelis — de quem sou fã e amigo — para lançar um de seus livros. Durante a fala de apresentação, ele discorreu sobre alterações no cérebro dos jovens taxistas de Londres, que, por usarem naturalmente os aplicativos de orientação espacial, via GPs, perderam o senso de direção, desaprenderam os caminhos da cidade e, num exame mais aprofundado, se notou a diminuição da região cerebral responsável por esse campo, o hipocampo.
Confesso que isso me impressiona. Como podemos sofrer mutações a partir desses estímulos ou a ausência desses estímulos, melhor dizendo. Mudanças físicas, que podem ser involuções, reduções de regiões menos utilizadas do cérebro do homem, franzi a testa e assim fiquei por instantes.
Enquanto viajava no tempo e no espaço, a cliente estava conversando com um dos meus funcionários, que pesquisava sobre a possibilidade de fazermos uma encomenda, serviço sempre oferecido para os leitores, tanto os de primeira viagem como os já tradicionais, amigos de longa data. As encomendas são vitais para uma livraria e são uma sugestão honesta e muito comum de ser feita, por uma razão simples: há muito mais títulos no mercado do que os títulos expostos numa livraria física, seja ela grande, enorme ou pequena. São milhões de livros e é claro que não há como ter tudo ali, no momento da visita do leitor. Então, trabalhamos essa paciência, esse compromisso. E por que tanta pressa em receber os livros? Acho tão importante a construção dos laços, a relação de confiança que se cria entre livraria e leitor, mas entendo que a aceleração é talvez sem volta, sem ponto de retorno, uma pena.
Eu estava otimista sobre essa encomenda, talvez por achar que alguém que busca os ensinamentos de Buda tivesse paciência, sabe? Quando a cliente retornou, passando novamente perto da mesa onde eu estava, resolvi perguntar: deu certo? Podemos pedir o livro pra você? Ela, um tanto agitada, me responde que queria o livro pra agora, sendo que ela já havia visitado e perguntado na nossa vizinha, a livraria Martins Fontes, sobre o mesmo livro, sem sucesso. E desta feita era a nossa vez de sermos abordados. Ela termina a conversa mencionando que buscaria via internet.
Quando ela saiu, perguntei ao meu funcionário se o livro estava disponível para encomenda. Mas o livro está esgotado na editora, ou seja, uma livraria está impossibilitada de oferecer uma encomenda nesse caso, só restam os sebos, na maioria das vezes, virtuais, para tentar resolver essa missão. Mas a pressa dela em contraste com o livro que ela queria dar de presente me fez pensar sobre tudo isso, sobre ansiedade, calma e aprendizado de uma cultura milenar.
Depois desses breves diálogos e da tentativa fracassada de vendermos este livro, depois desses devaneios e lembranças, fiquei aqui pensando. O que Buda nos ensinou?
Tomara que seja reeditado, Buda tem muito o que nos ensinar, penso. Vou ali meditar e já volto!