Minha terapeuta nega, mas não abala a minha convicção: apresento todos os sintomas. Mais cedo dei check em todos eles. Tô com depressão. Achando graça, ela me diz apenas: “Não, não está”. “Bom, chequei os sintomas, tenho todos eles. Melancolia, sentimento de inadequação, recolhimento, falta de apetite, sono excessivo… Continuo?” Ela sorri placidamente como se eu fosse uma menina levada querendo pregar uma peça nela. “Gostaria que você me prescrevesse um remédio. Sei que você tem CRM. Tô precisando ficar feliz, por favor.” A expressão benevolente segue estampada no rosto dela.
Conto que imaginei um esquete com uma personagem desesperada abordando desconhecidos na rua. “Boa tarde, desculpe incomodar, mas você teria um Prozac? Tô sem receita e muito precisada.” Minha terapeuta descruza as pernas ganhando tempo, eu me antecipo ao que virá. Digo que já li a bula e está claro que é desse medicamento, também conhecido como pílula da felicidade, que preciso. Nenhuma reação. Revelo que tentei convencer meu clínico e minha endocrinologista e ela sorri vitoriosa. “Então foi preciso tentar convencê-los? Não acha isso interessante?”
Diante do meu desapontamento, ela aperta os olhos e pergunta: “Você foi ao show do Gil, não foi?”. “Fui!”, respondo e então sou eu quem abre um largo sorriso. “Se divertiu?” “Muito”. “Você não está com depressão”, ela crava.
Respiro fundo avaliando o próximo movimento. “Sabe que a Adriana Calcanhoto me criou um problema?” Certa de que vou mudar de assunto, ela relaxa os ombros para se decepcionar em seguida. “Essa afirmação de que cariocas não gostam de dias nublados. Isso me atormenta há décadas. Sou carioca e amo dias nublados. Se tiver uma chuvinha então, nem se fala. Isso me deixa numa espécie de purgatório, onde chafurdo numa solidão sem fim. Sou esse ser híbrido, meio carioca, meio paulista. No Rio pareço paulista, em São Paulo carrego o estigma de ser carioca. Adoro o mar, o sol, a rua, ao mesmo tempo que rezo para a frente fria chegar e muitas vezes dou um braço para não sair de casa. É difícil, dá uma angústia danada. E nem adianta falar disso por aí. Ninguém entende.”
Obstinada em conseguir a receita, me ocorre expor mais uma das minhas perturbações. Contar que num domingo à tarde saí atrás de um doce como uma dependente química. Que a autoimposta abstinência de açúcar volta e meia me leva a isso. Que terminei atracada com uma fatia de bolo de chocolate com recheio de baba de moça e na primeira garfada já tinha encontrado o nirvana. Minha terapeuta pergunta por que aquele sabor específico me despertou essa sensação. Explico que ao deslizar o garfo para dentro da boca fui transportada em segundos para a minha adolescência porque esse era o bolo de todos os aniversários da minha melhor amiga. Confesso em seguida ter tentado o bolo como medicação algumas vezes, mas não deu certo. O efeito dura poucos minutos. Terminada a fatia, a felicidade vai embora à francesa. Soberana, a tristeza parece voltar fortalecida a ponto de me dar vontade de deitar no chão de casa e me deixar ficar ali. E se isso não é uma forma de depressão, eu não sei bem o que poderia ser. E que se nem ela nem qualquer outro médico me prescrever um remedinho, vou dar um jeito de conseguir. Ela olha para o relógio na estante e toma um susto. Levanta e abre a porta disfarçando um sorriso. “Veja só, atrasamos dez minutos de tão boa que estava a sua história.”