O contista que o Brasil esqueceu

É imprescindível redescobrir a obra de Duílio Gomes, um mestre do conto, um construtor de pontes literárias, um escritor fundamental
Ilustração: José Lucas Queiroz
07/05/2025

Há escritores cuja obra parece destinada ao silêncio das prateleiras mais recônditas, como um segredo que poucos têm o privilégio de conhecer. Duílio Francisco Gomes é um deles. Mineiro de Mariana, nascido em 1944, integrou uma geração brilhante de contistas surgida nos anos 1960 — uma geração que prometia renovar e elevar a literatura brasileira, e de fato o fez. Porém, ao contrário do reconhecimento merecido, seus livros tornaram-se raridades, quase objetos míticos nos sebos das cidades brasileiras.

É curioso, e triste, perceber que, mesmo traduzido para oito idiomas e agraciado com prêmios como o Cidade de Belo Horizonte, Guimarães Rosa e Fernando Chinaglia, as edições de suas obras se dissolveram no ar. Livros como Verde suicida ou Deus dos abismos deveriam ocupar posições de destaque nas livrarias e bibliotecas do país; não apenas pelo talento inegável do autor, mas pelo impacto que exerceram na literatura contemporânea brasileira.

A crítica especializada reconheceu em Duílio Gomes um talento singular. Geraldo Galvão Ferraz destacou seu “talento maiúsculo” em Verde suicida, enquanto o crítico literário Assis Brasil elogiou “a linguagem limpa, por vezes lírica, dominando o diálogo como poucos” em suas histórias.

Seu conto Todos os insetos foi adaptado para o cinema por Breno Milagres, com o título Nada será como antes, um média-metragem exibido na TV e em diversos festivais de cinema no Brasil e no exterior.

Mas quem deseja encontrar Duílio Gomes deve se preparar para um verdadeiro ritual: percorrer corredores apertados, dialogar com livreiros que mais parecem guardiões de segredos antigos.

Isso revela uma catástrofe cultural bem brasileira: o desprezo pela memória literária. Um abandono fruto da negligência crônica de instituições e editoras, que deixam cair no ostracismo obras essenciais. Duílio Gomes merecia reedições constantes, programas culturais dedicados à sua divulgação, estudos acadêmicos e uma visibilidade à altura de sua contribuição.

Nos anos 1980, como editor do Suplemento Literário de Minas Gerais, Duílio foi responsável por abrir portas para novos talentos. Sua generosidade e rigor fizeram do suplemento uma das mais importantes publicações literárias do país — premiada e admirada nacionalmente. Ironia das ironias: hoje, seu próprio trabalho encontra-se inacessível.

O Brasil adora celebrar datas comemorativas e grandes nomes com eventos pomposos. Mas talvez o verdadeiro gesto de reconhecimento seja manter vivos os livros daqueles que ajudaram a construir nossa cultura. Duílio Gomes permanece vivo apenas para os poucos que se recusam a esquecê-lo: leitores resistentes, teimosos, incansáveis.

Sua morte, em 2011, foi lamentada no meio cultural mineiro e nacional. Mas a verdadeira tragédia se deu aos poucos, silenciosamente, quando seu nome e sua obra começaram a sumir das prateleiras e dos catálogos. E é esse silêncio que deveria nos preocupar, e nos fazer agir. Pois quando um autor como Duílio Gomes desaparece, não é apenas uma perda pessoal ou regional: é uma perda coletiva. Uma lacuna na alma cultural do país.

Um homem de Minas. Um mestre do conto. Um construtor de pontes literárias. Um escritor fundamental. Um nome que se apaga lentamente. Duílio Francisco Gomes (1944–2011), presente!

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

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