Literatura fotogênica

Feiras são exibições públicas de um Brasil que finge gostar de livro com a mesma intensidade com que aparenta combater o analfabetismo funcional e o racismo
Todos os anos, a Flip lota as ruas de Paraty
18/06/2025

Em 2025, o Brasil consolida um feito que daria inveja à Suécia. De Norte a Sul, brotam eventos literários no país: Flip, Flup, Flipelô, Flica e Flipop, Felica, Flic, Flicu…

Segundo dados recentes de pesquisa, 53% dos brasileiros não leram nenhum livro nos últimos três meses. Ainda assim, em 2024 houve dezenas dessas feiras e eventos literários no território nacional. E, ao que tudo indica, em 2025 bateremos esse recorde. Estamos diante de uma nação que mais promove livro do que o lê, como uma funerária que investe pesado em flores, mas esquece dos caixões.

Feiras, portanto, tornaram-se verdadeiros parques temáticos. Ali, editores se reúnem para lamentar o preço do papel, agentes disputam um lugar ao sol nos auditórios, e autores, sobretudo os ditos digitais, viram celebridades que, às vezes, mal sabem conjugar o verbo ler no futuro do presente do indicativo.

Tome-se como exemplo a última Bienal do Livro de São Paulo. 722 mil visitantes, 227 expositores, mais de 500 selos editoriais e 3,65 milhões de livros disponíveis. Mas quantos leitores saíram dali levando debaixo do braço Dalton Trevisan, Murilo Rubião, Adélia Lopes, Graciliano Ramos? Poucos. Muito poucos.

A Flip, por sua vez, segue com sua aura de evento gourmet: caipirinhas a sete dólares, debates transmitidos ao vivo no YouTube com centenas de espectadores simultâneos, e convidados internacionais debatendo o papel do autor em tempos de inteligência artificial. Isso enquanto o escritor brasileiro tenta vender livro a R$ 25 em algum quiosque independente.

Mas, afinal de contas, quem lê hoje? O público das feiras é cada vez mais curioso do que leitor. É gente que vai dar uma voltinha no evento, pegar um autógrafo de quem já viu no TikTok. E, com sorte, compra um livro para ver se o filho se anima nas letrinhas. Editoras pequenas, como a Patuá ou a Urutau, resistem bravamente. Não vendem muito, mas fazem bonito. Enquanto isso, os best-sellers são dominados por manuais de superação, biografias autorizadas por assessoria de imprensa, e romances com capa de casal branco em contraluz.

Não há mais dúvida: viramos a Disneylândia dos livros. Aqui, literatura é fantasia. E leitor, personagem em extinção. As feiras não são mais celebrações da leitura, mas exibições públicas de um Brasil que finge gostar de livro com a mesma intensidade com que aparenta combater o analfabetismo funcional e o racismo.

É verdade, tudo acabou em um grande espetáculo. Com tendas, balões, slogans inspiradores e até painel com escritor ucraniano contemporâneo que ninguém entende, mas todos aplaudem. E livros? Ah, sim. Estão ali também. Em pilhas, à espera de quem os leia. Ou pelo menos os fotografe para o Instagram.

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

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