O vento gelado cortava meu rosto enquanto eu permanecia imóvel na beirada da ponte. Abaixo, o rio serpenteava, suas águas profundas me chamando como um velho amigo que, enfim, poderia oferecer descanso. Engraçado como a água sempre me trouxe conforto desde criança. E agora eu a buscava uma última vez.
Respirei fundo. Eu havia escolhido o momento perfeito: noite, sem lua, sem testemunhas. Apenas eu e o rio.
Minhas mãos agarravam com força o parapeito enferrujado. Talvez fosse medo. Talvez a última faísca de sobrevivência lutando.
Fechei os olhos por um momento. As memórias passaram que nem um filme acelerado. Senti as lágrimas quentes contrastando com o frio da noite.
— É melhor assim — murmurei ao vazio.
Inclinei-me para frente, sentindo o centro de gravidade mudar. O salto foi mais impulso que decisão. Uma rendição à gravidade.
A queda durou uma eternidade comprimida em segundos. O vento rugiu nos meus ouvidos; meu estômago subiu à garganta. Era uma sensação quase libertadora. Pela primeira vez em anos, eu estava completamente presente, vivo no mais puro sentido da palavra.
Ao atingir a superfície, o choque me arrancou o ar. A água não era apenas fria: era brutal, facas afiadas cortantes. O rio me engoliu com voracidade, puxando-me para baixo com suas mãos invisíveis.
Não lutei. Era o que eu queria, afinal.
Mas algo estranho aconteceu enquanto eu afundava. A escuridão ao meu redor deixou de parecer convidativa e tornou-se aterradora. O instinto de sobrevivência, que eu julgava ter abandonado na ponte, explodiu dentro de mim com uma força surpreendente. Meus pulmões queimavam, implorando por ar. Cada célula do corpo se rebelava contra minha atitude.
Precisei ir contra a natureza para executar a tarefa a que me propusera. Mergulhei ainda mais fundo. Puxei água pela boca. Queria acabar logo com tudo.
Foi então que comecei a perceber melhor o breu à minha volta. Não distinguia se eram plantas aquáticas, líquens ou alucinação. O fato é que comunguei com a flora do fundo do rio. Seria minha última companhia. E me pareceu justo dividir com ela minha decisão final.
Nunca imaginei que, tão perto de me esvair, encontraria concórdia. O ritmo das águas embalava meu desenlace. Um canto, sem letra, mas cheio de sentido. Senti o corpo acomodar-se aos poucos, com cada molécula entendendo que não havia mais pressa, nem dor, nem cobrança alguma do mundo lá em acima. O frio já não era agressivo, tornara-se um abraço. A escuridão, que antes assustava, agora lembrava um útero: silenciosa, morna em sua ausência de exigências. Entregue à correnteza, senti que devia ser isso que chamavam de liberdade. Não a escolha, mas o fim das escolhas. E, por um instante, muito breve, desejei que o tempo parasse, suspenso entre dois mundos, onde nada mais me alcançava.
Só que então, contra tudo o que havia planejado, tive um pensamento e meus braços começaram a se mover.
Nadei loucamente em direção à superfície que mal conseguia distinguir acima. Em poucos segundos, emergi e puxei o ar com toda a força.
Tinha me lembrado: o celular. Na ponte.